Dólar a R$ 5,60 mostra que não está tudo bem na economia brasileira

Exportadores e os que atuam na ponta compradora de taxa de juros que me perdoem, mas não dá para olhar para a tela, ver esse valor e pensar “o pior passou” ou até “mercados estão de bom humor hoje”

  • Por Fernanda Consorte
  • 20/10/2020 12h45 - Atualizado em 20/10/2020 12h57
CRIS FAGA/ESTADÃO CONTEÚDO Mão manuseia notas de dólar Cotação atual do dólar está quase um real maior do que no longínquo período pré-pandemia

Sorrateiramente, a taxa de câmbio do dólar encontrou um novo patamar, impensáveis US$/R$ 5,60. Digo que foi sorrateiro porque com tanta volatilidade que estamos vivendo, nem nos demos conta que há pouco tempo ela era US$/R$ 5,30 e eu até alertei que esse número não indicava uma economia saudável. Foram adicionais 30 centavos, e quase 1 real a mais do período longínquo pré-pandemia. Embora o ser humano tenha uma capacidade admirável de adaptação a qualquer situação, de miséria a guerras, eu não me conformo que há sensação de pequenas vitórias quando vemos a taxa de câmbio sair de um patamar de R$ 5,60 para R$ 5,55, por exemplo. E ainda, analistas chamarem isso de um dia de bom humor de mercados

Vamos ser sinceros: não está tudo bem. Supostamente, o pior da pandemia ficou para trás, e supostamente já encontramos o vale da economia no segundo trimestre deste ano, e se os mercados de fato antecipam movimentos da economia real, lá em findos do segundo trimestre da taxa de câmbio era pouco menos de US$/R$ 5,50. Então, o que os mercados querem nos mostrar com os níveis atuais, que já vieram e ficaram? Voilá, que o pior ainda está por vir. Difícil aceitar isso né? O ser humano, além de adaptável é altamente esperançoso. Eu não consigo, por exemplo, após o ano de 2020, achar que teremos preços piores nos ativos no ano que vem. Impossível. Mas quando vejo essa resistência neste novo patamar de R$ 5,60 (resistência porque já teremos dois meses seguidos com esses valores), todas as luzes de alerta se acendem para mim. E, por isso, acho que não devemos nos adaptar a esse patamar. 

Ele está dizendo que terá uma segunda onda de contágio se as vacinas não derem certo? Ele está dizendo que as condições políticas norte-americanas estão incertas? Ele sugere que a China está crescendo aquém do esperado? Ele está dizendo que as reformas brasileiras estão longe de andamentos importantes? Ele mostra que as contas fiscais urgem por atenção após os gastos que necessariamente nos impomos nesse ano? Ele mostra que a recuperação não será rápida e muito menos homogênea entre os setores? Ele mostra que a corrupção no Brasil não acabou e que dinheiro na cueca é uma vergonha explicitamente brasileira? Ele mostra que não há interesse em investimentos no Brasil nessa conjuntura? 

O patamar da taxa de câmbio em US$/R$ 5,60 mostra tudo isso. Os exportadores e os que atuam na ponta compradora de taxa de juros que me perdoem, mas não dá para olhar para a tela e ver esse valor e pensar “está tudo bem, o pior passou” ou até “mercados estão de bom humor hoje; a taxa de câmbio está caindo 0,5% neste pregão e está em US$/R$ 5,58”. Todas as terças quando vou escrever, realmente penso em algo mais otimista para dizer. Queria discorrer de melhores notícias, com melhores indicadores. Desculpem, não dá. 

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