Dólar no patamar de R$ 5,30 indica que as coisas no Brasil estão longe do ‘ok’
Queimadas, comentários ácidos do governo, evolução demorada na agenda de reformas, ausência de privatizações prometidas: tudo isso aumenta o risco-país e ajuda no processo de desvalorização da nossa moeda
Novamente tivemos uma melhora nas expectativas de crescimento econômico pelo mercado. Segundo a pesquisa Focus do Banco Central (BC), até a última sexta-feira (18), o mercado espera uma recessão de 5% neste ano, com um ambiente econômico mais aquecido no segundo semestre do ano. Contudo, a nossa moeda está bastante desvalorizada e segue firme como rocha no patamar de R$ 5,30 por US$ 1. Valor impensável até poucos anos atrás, acabando com nossas farras de viagens para o exterior, mesmo que a vacina contra a Covid-19 chegue amanhã. Mais do que uma economia eventualmente aquecida, o patamar do câmbio pode servir de alerta que “as coisas” no Brasil estão longe de estarem “ok”.
Para reforçar o quão desvalorizados estamos, a taxa de câmbio real, ou seja, o preço relativo entre produtos nacionais e estrangeiros, está 60% acima da média histórica dos últimos 10 anos. O que é muito, mas muito mesmo, acima de períodos conjunturalmente críticos do Brasil. Por exemplo, no pré-impeachment da presidente Dilma Rousseff, a desvalorização em relação a media histórica foi de cerca de 25%. Explicando melhor, a definição de taxa de câmbio nominal é a referência em valor da moeda nacional com relação à moeda estrangeira, real com relação ao dólar. Assim, a taxa de câmbio no Brasil representa o preço, em moeda nacional, de uma unidade de moeda estrangeira. Quando falamos de taxa de câmbio real, temos que considerar preços, ou seja, a inflação de ambos os países. Por que isso? Porque os países têm reflexos do valor da moeda no preço das mercadorias. É exatamente para neutralizar o efeito da inflação na definição da taxa de câmbio que se utiliza a referência dos preços de uma mesma mercadoria em dois países.
O cálculo de taxa de câmbio real consiste em multiplicar a taxa de câmbio nominal pela inflação estrangeira, e então dividir esse valor pela inflação no mercado nacional. Essa conta nos mostra um índice, o qual podemos considerar uma média histórica e usá-la como referência para saber os quão valorizados ou desvalorizados estamos. Muitos economistas, inclusive, usam desse artifício para fazer estimativas da taxa de câmbio. E, como dito acima, estamos bastante desvalorizados. Dado que em um regime de taxa de câmbio flutuante como o nosso, os determinantes são muitos, e alguns deles são abstratos. Um deles é justamente o prêmio de risco do país, que diz respeito à possibilidade de mudanças no ambiente de negócios, seja político ou econômico, que impacte negativamente as condições de financiamento do país.
Em outras palavras, aqui podemos jogar tudo. Tudo que for incerteza política ou econômica faz com que aumente o risco-país, tenha, portanto, saída de capital afetando a taxa de câmbio. O inverso também é verdadeiro. Assim, a taxa de câmbio é definida por fatores locais e internacionais, com pesos que variam conforme a gravidade e incerteza da situação. Portanto, o patamar atual da taxa de câmbio brasileira, sugere que o Brasil ainda segue em um nível de incerteza muito acima do aceitável, e que, conforme venho falando semana a semana, não há tanto motivo assim para comemorarmos. Queimadas, comentários ácidos do governo, evolução demorada na agenda de reformas, ausência de privatizações prometidas: tudo isso aumenta o risco-país e ajuda no processo de desvalorização da nossa moeda. E se continuarmos assim, vai chegar a vacina e infelizmente não conseguiremos viajar.
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