Como proporcionar a universalização do saneamento básico no Brasil

População não pode mais esperar por serviços de água tratada, coleta e tratamento de esgoto; o maior desafio está na capacidade de estados e municípios se associarem para a prestação regionalizada

  • Por Fernando Vernalha
  • 20/12/2020 08h00
Arison Jardim/Governo do Acre Saneamento básico Hoje, aproximadamente metade da população do país não tem acesso à rede de esgoto

Com números estarrecedores, a situação do saneamento básico é um ponto fora da curva no contexto da infraestrutura brasileira. Hoje, aproximadamente metade da população do país não tem acesso à rede de esgoto. Trinta e cinco milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água tratada. A agenda para a ampliação da oferta dos serviços de tratamento de resíduos sólidos também se ressente de falta de planejamento e investimento. É um diagnóstico triste, discrepante de outros setores da infraestrutura brasileira, e que exige uma mudança de rumo na operação desses serviços. Com a finalidade de viabilizar uma exigente agenda de universalização do serviço, foi aprovado recentemente um novo marco legal do saneamento. O primeiro problema que a nova lei se propõe a resolver é a quase nula competitividade no setor. No contexto atual, a operação do serviço é feita majoritariamente pelas companhias estaduais, que mantêm contratos de programa com os seus titulares – os municípios -, celebrados sem licitação. Com o novo marco, passa a ser obrigatória a precedência de licitação para a contratação dos serviços, com vistas a estimular a competitividade. Maior competitividade significará melhores condições econômicas para os titulares e para os usuários. O objetivo é converter o altíssimo nível de ineficiência que há na operação do serviço em investimentos na universalização. Um efeito da instituição da competitividade será a provável ampliação da participação privada no setor. Atualmente, 70% deste mercado é operado pelas empresas estaduais; 24%, pelos municípios, e apenas 6% está nas mãos de companhias privadas. Mas estas têm representado algo em torno de 20% de todo o investimento que é feito no setor.

O segundo desafio trazido pelo novo marco é melhorar a fragmentada e heterogênea regulação que prevalece no setor. As mais de sessenta agências regionais e locais que hoje regulam o serviço no Brasil impõem um alto custo de transação aos operadores. A nova lei optou por empoderar uma agência federal, a ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, para prover normas de referência para o setor. Estas normas não serão cogentes, mas os reguladores regionais e locais que não as observarem estarão privados de obter financiamentos e recursos federais. É uma soft law, que usa do spending power da União para gerar os devidos incentivos ao alinhamento das agências à regulação da ANA. A terceira transformação importante que o novo marco traz é a regionalização da prestação do serviço. Compreensivelmente, o legislador vislumbrou que, sem se assegurar uma abrangência regional para a operação do serviço, a universalização não será exequível. Há pelo menos duas razões que justificam a substituição de uma abordagem municipal por uma abordagem regional para o saneamento. A primeira é econômica. A prestação regional favorece os subsídios cruzados entre operações municipais superavitárias e deficitárias, fazendo com que a universalização chegue a municípios de menor porte. A segunda é o ganho de institucionalidade que os agrupamentos de municípios propiciam, quando comparados a municípios isolados. Operações estruturadas regionalmente, sob a provável liderança dos estados, é o que poderá atrair o interesse de investidores para viabilizar a agenda de universalização do serviço.

Estas são algumas das transformações importantes e estruturais que a nova legislação trouxe para o setor de saneamento. São elas que poderão abrir passagem para a universalização do serviço. Talvez o grande desafio para isso esteja na capacidade de estados e municípios se associarem para constituir a prestação regionalizada. Sem a formação destes arranjos interfederativos será difícil avançar com a universalização na dimensão e na velocidade desejadas. Espera-se que os entraves burocráticos e os desalinhamentos políticos não atrapalhem a urgência dessa união. Afinal, o saneamento não pode mais esperar.

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