Inundações são previsíveis e devem ser tratadas pelos prefeitos como riscos à vida da população

É possível mapear possíveis desastres causados pelas chuvas de verão e, assim, evitar que pessoas percam a casa, os móveis ou até a vida

  • Por Helena Degreas
  • 05/01/2021 08h00 - Atualizado em 07/01/2021 14h04
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Helena Degreas/Jovem Pan Buraco de dois metros de profundidade, provavelmente causado pela chuva, recebe sinalização improvisada para não machucar os mais desatentos

Até que “as águas de março fechem o verão”, muitos lares, comércios, bens materiais e vidas serão perdidos como consequência das chuvas torrenciais que assolam a cidade. É impressionante ler, ano após ano, as mesmas manchetes que tratam dos estragos provocados pelas tempestades. Inundações, enchentes, deslizamentos, quedas de árvores e afundamentos de asfalto ocasionados por rompimentos de galerias de águas pluviais ainda são tratados como “desastres naturais”, em especial, quando os governos locais falham no gerenciamento dos riscos decorrentes dos efeitos relacionados aos extremos climáticos. Reitero que não são desastres ocasionados apenas por fenômenos naturais extremos: são decorrentes da falta de previsão de nossos gestores públicos dos riscos aos quais os cidadãos estão expostos nesta época do ano.

A imagem estampada na coluna desta semana é só mais uma das várias experiências vivenciadas por quem mora nas capitais brasileiras. O diâmetro do buraco é até singelo, mas a profundidade de cerca de 2 metros permite que uma pessoa distraída com seu celular possa ser engolida por ele. Provavelmente, a chuva torrencial sobrecarregou a rede de águas pluviais e o asfalto cedeu. Tentando solucionar a questão, o motorista do ponto de taxi em frente colocou um galho no local, apontando ao prefeito, involuntariamente, que a permeabilização da cidade se faz necessária e que esta é uma das várias ações de baixo custo que podem ser adotadas para melhorar a absorção das águas em diversos pontos da cidade: a substituição do asfalto por grama em alguns casos.

Causou-me estranheza, portanto, ler a plataforma de governo do prefeito reeleito Bruno Covas. Um dos destaques tratava da construção de novos piscinões, que, apesar de necessários, não resolvem as consequências anteriormente citadas. Estas obras são desenvolvidas para conter as águas das chuvas que irão ocupar ruas e avenidas da cidade, evitando inundações, enchentes e prejuízos materiais em alguns pontos. Trata-se de uma ação que está longe de ser a única solução para as enchentes. Não previnem o problema, sempre haverá a necessidade de construção de mais piscinões. Como evitar isso? Antecipar, gerenciar e reduzir os riscos de desastres são atribuições dos gestores locais, pois eles devem atuar criando sistemas de alerta e estabelecendo estruturas específicas para o gerenciamento de crises como essas. Essas ocorrências são previsíveis e encontram-se inclusive mapeadas: uma simples busca na plataforma GeoSampa localiza desde quedas de árvores até deslizamentos e inundações ocorridas na cidade.

Dois excelentes documentos produzidos por secretarias da prefeitura paulistana nos últimos anos podem ser utilizados para a melhoria da plataforma de governo, colocando a questão das inundações numa discussão contemporânea, mais ampla, envolvendo assuntos que compõem a agenda urbana internacional como a gestão de riscos advindos dos extremos climáticos. O primeiro deles é o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, que, em um de seus capítulos, destaca a importância da constituição de uma rede de infraestrutura verde (permeabilidade e vegetação) e azul (águas urbanas), abarcando os sistemas naturais também abrigados pelo espaço viário, como arborização, parques lineares, sistemas de biorretenção e paisagismo. Vagas verdes e jardins de chuva em calçadas e áreas residuais de sistemas viários são alguns exemplos. O outro é o Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres, cuja consulta pública foi recentemente concluída e define uma política de gestão para a provisão de áreas verdes e de proteção do patrimônio ambiental do município de São Paulo. Os dois documentos, elaborados por técnicos municipais após consulta pública, contribuem para o planejamento das consequências advindas dos extremos climáticos aos quais pessoas e bens estão expostos em função do aumento da temperatura no planeta. 

A revisão de atribuições, responsabilidades e a alocação de recursos para a implementação de diretrizes apresentadas nos dois documentos ampliará a capacidade de resiliência da cidade de São Paulo, restaurando suas estruturas e funções básicas, evitando com isso os riscos à população. É importante que gestores públicos locais incluam o conhecimento das vulnerabilidades existentes e os riscos associados à ocorrência de eventos extremos climáticas ao dia a dia da gestão pública, bem como ao planejamento das cidades, para o bem do cidadão.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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