Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito

Relatório anual elaborado pela CET aponta que 31 ciclistas e 359 pedestres morreram em 2019 vítimas de atropelamentos; população tem pressa e não tolera mais isso

  • Por Helena Degreas
  • 29/12/2020 12h17 - Atualizado em 30/12/2020 12h16
Helena Degreas Marina Kohler Harkot, de 28 anos, morreu na madrugada de domingo após ter sido atropelada na zona oeste de São Paulo

Dedico minha coluna de hoje à cicloativista Marina Kohler Harkot, atropelada e morta em novembro de 2020 enquanto trafegava de bicicleta pela Avenida Paulo VI, no bairro Sumaré, Zona Oeste de São Paulo. É graças ao seu papel político na defesa de melhores políticas de mobilidade urbana que estamos vivenciando mudanças nos espaços urbanos destinados aos pedestres. O relatório anual elaborado pela Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) aponta que 31 ciclistas e 359 pedestres morreram em 2019 vítimas de atropelamentos. Família destroçadas, amigos e colegas carentes do abraço e da palavra, sociedade cada vez mais triste. Atropelamentos com vítimas ocorrem diariamente. Não é possível considerar esse fato como natural sabendo que existem soluções para reduzir a zero o número de acidentes com ou sem mortes. Depende da vontade política. Eles estão, inclusive, mapeados, e seus dados encontram-se no portal do GeoSampa.

Segurança viária é um assunto que deve ser cobrado de todos os prefeitos responsáveis pela gestão das cidades brasileiras. Como cidadã, estou cada vez mais irritada com a atuação lenta das prefeituras, vereadores e secretários em relação às mudanças urgentes previstas no Plano de Mobilidade de São Paulo. Todos eles deveriam ser corresponsáveis pela morte da Marina e de tantos outros. A distribuição dos espaços nas ruas é desigual. A pesquisa Origem e Destino realizada pelo Metrô de São Paulo em 2017 informou que foram produzidas 42 milhões de viagens diárias na RMSP. Destas, cerca de 34% foram realizadas por transporte coletivo, 33% por automóveis particulares e 33% foram realizadas por bicicleta e a pé. Qualquer cidadão que anda nas ruas percebe que o espaço destinado à circulação do automóvel particular é muito maior do que aquele destinado ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas.

São Paulo, a exemplo de outras cidades brasileiras, adotou um Plano de Segurança Viária com base na abordagem de Sistema Seguro. Chamado de Vida Segura, o plano propõe ações no âmbito do planejamento da mobilidade urbana que pretendem reduzir as mortes e feridos graves no trânsito até o final de 2030. Apesar do Plano de Mobilidade Urbana ter sido instituído em 2015, algumas ações são incompatíveis com ele e com o Plano de Segurança Viária, por exemplo. É importante lembrar que, em 2017, o então prefeito João Doria cumpriu sua promessa de campanha e, logo após assumir seu mandato, aumentou as velocidades máximas nas marginais Pinheiros e Tietê, de 50 para 60 km/h na via local, de 60 para 70 km/h na via central, e de 70 para 90 km/h na via expressa. O atual prefeito Bruno Covas manteve a alteração do seu antecessor. O resultado não poderia ser outro: houve um amento significativo no número de acidentes com vítimas.

Pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico indicam que, enquanto a maior parte dos usuários mais vulneráveis (sem proteção) sobrevive a um atropelamento por um automóvel transitando a 30 km/h, a maioria deles tem cerca de 80% de chances de ser morto em uma colisão com um veículo a 50 km/h. Tem sentido uma velocidade tão alta numa via repleta de crianças, idosos ou pessoas atravessando a rua no meio da cidade? A implantação de medidas eficazes e urgentes para a segurança das pessoas deve ser prioridade política. Toda vida é importante. São os representantes eleitos com o seu voto que controlam o orçamento, destinam verbas e definem as prioridades na administração de nossas cidades. São eles os responsáveis pelas vidas que poderão ser salvas nos próximos anos. Temos pressa, prefeito Bruno Covas, não toleramos mais mortes no trânsito.

Em resposta à coluna, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes enviou a seguinte nota:

Em relação ao texto “Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito”, a Prefeitura de São Paulo informa que a atual gestão está comprometida com a ampliação da segurança viária e a consequente redução do número de acidentes e mortes. As medidas executadas mostraram resultado efetivo jamais visto e muito promissor para a preservação da vida. Em 2019, a cidade alcançou o menor índice de vítimas fatais desde que essa informação começou a ser registrada, de 6,44 mortes a cada 100 mil habitantes. O índice de 2020, até outubro, é ainda menor, alcançando 5,97 mortes por 100 mil habitantes. Em 2016, o índice havia sido de 7,07 mortes por 100 mil habitantes.

O Plano de Segurança Viária – Vida Segura, lançado no primeiro semestre de 2019, representa um marco para a cidade em seu esforço para reduzir os acidentes. Trata-se de um documento norteador que organiza e integra ações com o propósito de salvar vidas, com foco principalmente em ciclistas e pedestres. Por meio dele estão sendo implantadas na cidade as Áreas Calmas, as Rotas Escolares Seguras, os Territórios Educadores, além dos programas Pedestre Seguro e Vias Seguras. A atual gestão também planejou, com ampla participação social, e vem executando o Plano Cicloviário. Até o fim deste ano, 60% da malha cicloviária existente estará requalificada, com reforma de guias, sarjetas, novo piso asfáltico e padrão de pintura mais seguro ao ciclista. Também até o fim de 2020, mais 173,5 km de ciclovias e ciclofaixas terão sido entregues à população.

Há outras iniciativas que trouxeram benefícios duradouros para a segurança dos usuários do viário e também para a melhoria da qualidade urbanística da capital, como o primeiro Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da cidade, publicado neste mês. Um documento fundamental que reúne para projetistas e executores todas as normas que devem ser seguidas nas vias e áreas de uso comum na cidade. Além disso, foi regulamentado o Estatuto do Pedestre, que traz uma série de diretrizes em busca da preservação dos espaços e da segurança do elemento mais vulnerável do sistema viário. Todas essas medidas têm embasamento técnico e inspirações nas melhores práticas conhecidas ao redor do mundo. Em relação às Marginais dos Rios Tietê e Pinheiros, a Prefeitura esclarece que elas retornaram aos limites de velocidade anteriores por se tratarem de vias de trânsito rápido e são, juntamente com a Avenida 23 de Maio, as únicas vias em toda a cidade com velocidades máximas permitidas superiores a 50 km/h.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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