As barbaridades propostas pela vereança para a revisão do Plano Diretor de SP: do cheque em branco à concessão de zonas

Em vez de levar infraestrutura a regiões que não são atendidas pela prefeitura, o vereador Rodrigo Goulart propõe verticalizar locais que já têm todos estes serviços disponíveis

  • Por Helena Degreas
  • 25/05/2023 18h20 - Atualizado em 25/05/2023 18h44
André Bueno/Rede Câmara SP Audiência Pública da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente (PDE Audiência pública sobre o Plano Diretor realizada na Câmara dos Vereadores de São Paulo

Em suas redes sociais, a urbanista Raquel Rolnik (@raquelrolnik) acertou mais uma vez ao postar sua visão particular (e por mim corroborada) do projeto substitutivo revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo encaminhado pelo vereador Rodrigo Goulart (PSD) à Comissão de Política Urbana, nesta semana agitada: “Sexo explícito na proposta de substitutivo de revisão do Plano Diretor de SP apresentado na Câmara: uma ‘zona de concessão’ é criada no zoneamento onde qualquer norma está suspensa para que o concessionário privado possa inventar as regras que quiser”. Ao ler os comentários da pesquisadora e professora do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), lembrei de duas estrofes da canção “O Tempo Não Para”, do atualíssimo Cazuza, que deixo aqui para reflexão dos leitores:

“Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro”

 

Na ilustração que acompanha a postagem, Rolnik apresenta o Art. 10, que inclui a Zona de Concessões (ZC), com a descrição do significado da tal zona: “Porções do território destinadas a abrigar predominantemente atividades que, por suas características únicas, foram cessionadas e/ou estão com projetos para esse fim, e necessitam disciplina especial de uso e ocupação do solo. Ou, ainda, um ‘cheque em branco’, uma vez que a concessão é feita para a iniciativa privada. Nas justificativas apresentadas no texto Carta Aberta, das entidades promotoras do Fórum SP23, sobre o substitutivo do Plano Diretor, a proposta altera, de forma significativa, dispositivos da lei vigente e também do mencionado projeto de lei, cujo teor afronta, de forma negativa, os objetivos e estratégias de ordenamento territorial do PDE. Contraria-se o próprio texto, que, no seu artigo 2º, afirma que ‘ficam mantidos os princípios, diretrizes e objetivos da Política de Desenvolvimento Urbano estabelecidos pela Lei nº 16.050, de 2014”e, no art. 3º, que ‘ficam mantidas as estratégias de ordenação territorial da Política de Desenvolvimento Urbano estabelecidas pela Lei nº 16.050, de 2014′”. E pergunta: por que o substitutivo está evitando a exigência de PIU, ainda mais nas situações de concessão? 

Em vez de levar infraestrutura como coleta de lixo, escolas, calçadas, saneamento, iluminação pública, habitação, transporte e saúde para as regiões que não são atendidas pela Prefeitura de São Paulo (basta ler as solicitações apresentadas por subprefeituras localizadas nas periferias da cidade à proposta orçamentária da Prefeitura de São Paulo para 2024), o vereador Rodrigo Goulart propõe verticalizar locais que já têm todos estes serviços disponíveis, beneficiando todo o ecossistema imobiliário em locais que estão saturados e repletos de novas obras. Na qualidade de representante do Partido Social Democrático, esperava do vereador uma atuação mais social e democrata, por meio da apresentação de uma proposta de revisão com ênfase no incentivo de produção habitacional às camadas vulneráveis da população, bem como um olhar direcionado à cocriação de políticas, tendo-os como protagonistas, uma vez que são estes os grupos sociais historicamente marginalizados.

Outro ponto gravíssimo da proposta de revisão é a ausência de estudos de viabilidade técnica, ambiental, econômica e social para o adensamento construtivo proposto. Nem como exercício apresentado em sala de aula dos anos iniciais das disciplinas que trabalham o urbanismo e seu planejamento a proposta seria reprovada. Do jeito que foi apresentado, o projeto de lei lembra um texto que mistura ficção e terror tendo, como vítimas, a população da cidade. O vereador ainda não percebeu ou não sabe que as discussões da Agenda Urbana são internacionais e que recursos financeiros provenientes de fundos internacionais apenas são liberados com o cumprimento do Plano de Metas Agenda 2030 da Prefeitura de São Paulo. O arquiteto Fernando Túlio, professor de urbanismo social no Insper) exemplificou um ponto controverso em entrevista recente à Folha de S.Paulo. “As concessionárias não precisariam apresentar projetos urbanísticos ou contar com a participação da sociedade no uso do solo dessas áreas… É como se a concessionária do Ibirapuera levantasse alguns prédios para tornar a zona mais rentável, sem apresentar projeto ou consultar a população”. 

Instrumentos institucionais para colocar em escrutínio público a proposta existem, e estão todos descritos no Estatuto da Cidade. Leia o documento, vereador, você tem muito o que aprender com ele. Qual é o receio? De que a proposta não seja aceita pelo cidadão numa eventual audiência? Esta é a governança democrática praticada pelo prefeito Ricardo Nunes e pelo vereador Rodrigo Goulart? Enviar alteração sem discussão com a população? O período de ditadura militar passou, vereador. Agora é hora de conversar com a população e mitigar impactos sociais, ambientais e econômicos com todas as associações, ONGs e ativistas sociais. A interrupção da fala da cidadã Laurita Salles, membro do Movimento Pró-Pinheiros, é inaceitável. Durante a audiência, ela afirmou que o texto apresentado não foi discutido e reiterou inúmeras vezes que os vereadores não estão ouvindo a população. Concordo com ela, pois participei do processo de pesquisa e redação das propostas de revisão do PDE ativamente.

Recomendo fortemente que leia minha coluna de terça-feira passada. Nela, comento que incorporar o ativismo social como um dos elementos de governança colabora na elaboração de políticas públicas, novas legislações e revisão das mesmas. É fundamental para entender e atender a necessidade da população num urbanismo que Ada Colau, prefeita de Barcelona, chama de “urbanismo do cotidiano”, este, sim, capaz de atender as questões que afetam a população. E, para terminar, ainda com algumas estrofes da canção do saudoso Cazuza direcionadas ao prefeito de São Paulo e a todos aqueles que, como eu, praticam o ativismo social em sala de aula, nas pesquisas e em artigos como ferramenta de educação voltada ao exercício da cidadania, fica aqui o recadinho:

Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
porque o tempo, o tempo não para…

Nós, cidadãos, vamos ser ouvidos, sim. As eleições estão chegando. Lembram-se daquele vereador em que você votou na eleição passada? Ele realmente representa você?

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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