Eis a questão que atormenta brasileiros: comprar comida ou pagar aluguel?
Consequências econômicas e sociais da pandemia são visíveis, com famílias morando em espaços públicos sejam eles calçadas, viadutos, ou qualquer outro lugar longe da ação truculenta da polícia
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que cerca de 25 milhões de cidadãos vivem, ou melhor dizendo, sobrevivem, com até 1/4 do salário mínimo. Preços dos alimentos nas alturas, botijão de gás caro, contas de água e energia elétrica com tarifas reajustadas para cima, inflação beirando os dois dígitos e taxa de desemprego e desocupação recordes levam milhões de brasileiros a um verdadeiro beco sem saída: ter que optar entre usar os poucos recursos que tem para adquirir “ossos” em açougues ou pagar o aluguel da casa que só nos últimos 12 meses subiu cerca de 30% pelo IGPM. O país foi colocado no mapa da fome e da miséria no mundo. Retrato de um Brasil construído pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com a supervisão do atual motoqueiro armado que habita o Palácio do Planalto.
Com o aumento crescente das despesas domésticas, a consequência é visível nas ruas: famílias inteiras morando em espaços públicos sejam eles calçadas, viadutos, canteiros centrais, praças ou qualquer outro lugar longe da ação truculenta da polícia que atua em conformidade com a visão social de prefeitos, vereadores, governadores e deputados estaduais. Viver dos auxílios emergenciais transformou-se na única fonte de renda daqueles que foram desalojados e estão sem dinheiro. Sem auxílio, sobra a fome como companheira. E o que faz o presidente Jair Bolsonaro para minimizar o sofrimento de milhões de pessoas que encontram-se em situação de vulnerabilidade habitacional? Veta o PL 827/2020 e, com ele, o direito da população em situação de vulnerabilidade habitacional abrigar-se sob um teto até o final do mês de dezembro de 2021.
Em junho deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão por seis meses de ordens ou medidas de desocupação de áreas que já estavam habitadas antes de 20 de março do ano passado, quando foi aprovado o estado de calamidade pública em razão da epidemia da Covid-19. Paralelamente, foram apresentados vários projetos de lei que, com o entendimento dos partidos, geraram o PL 827/2020, aprovado nas duas Casas e vetado por Bolsonaro, que paralisaria despejos até o fim deste ano, por causa da pandemia. Organizações sociais, apoiadas por instituições de ensino e pesquisa, lançaram manifestos e contribuíram para a divulgação de dados sobre despejos e remoções forçadas que ocorreram desde o início da pandemia, destacando-se o Observatório das Remoções e a campanha #despejozero que aponta os números coletados entre março de 2020 e junho de 2021.
Para justificar o veto, o presidente afirma que o PL dava uma espécie de “salvo conduto para os ocupantes irregulares de imóveis públicos” para pessoas que “frequentemente agem em caráter de má fé”. Em mensagem enviada ao Congresso Nacional, ele diz, ainda, que o PL pode “consolidar ocupações existentes, assim como ensejar danos patrimoniais insuscetíveis de reparação” citando como exemplo a construção de muros de contenção, edificações, calçadões ou espigões nas áreas de bens de uso comum ou danos ambientais graves. Completamente alheio à realidade da fome, o presidente da República e seu fiel ministro da Economia esquecem por completo que o Brasil encontra-se em estado de calamidade pública desde 20 de março de 2020 graças à pandemia que custou a vida de 600 mil brasileiros destruindo os sentimentos, desorganizando a renda e a vida de milhões de famílias que perderam, em muitos casos, também seus provedores.
Presidente, mais de metade da população passa fome, cerca de 30% dos brasileiros não têm emprego ou ocupação para honrar suas dívidas. O senhor realmente acredita que mães e filhos nas ruas são cidadãos que agem em caráter de má fé? É assim que o senhor vê a população brasileira pobre? Um bando de malandros querendo se aproveitar da situação? Sério isso presidente? Inglaterra, Espanha, Argentina e mesmo os Estados Unidos durante o governo do presidente Donald Trump agiram rapidamente declarando moratória ainda em 2020, impedindo, desta forma, os despejos de locatários inadimplentes durante o período da crise sanitária, pois entendiam que a situação econômica iria se deteriorar e, como consequência, famílias inteiras seriam despejadas indo parar nas ruas. Alguns países criaram vales e cheques para que a população economicamente vulnerável tivesse assegurado um crédito para pagamento de aluguéis e outras despesas como alimentação, mercadorias e serviços para enfrentar as despesas do dia a dia. A gente precisa comer, né presidente?
Sem endereço e CEP, as pessoas não têm acesso a outros direitos atrelados aos comprovantes de residência. Qualquer um sabe disso. Tem alguns que preferem ignorar como faz o inquilino do Planalto. Se não vejo o problema, não penso nele, logo o problema deixa de existir. Números, pesquisas e descrição de realidade não parecem ser “o forte” da administração pública federal, em especial, o Executivo. Não temos os números do total de despejos e remoções. Para quê, não é? Mesmo para a pandemia, fez-se necessária a criação de um consórcio de veículos de imprensa para expor abertamente números concretos de mortes, contágio e vacinação. Qualquer pessoa responsável pelas contas de uma casa, por exemplo, sabe que quando não se tem ideia de quantos moram nela, o quê e quanto consomem, se estudam, se trabalham e se têm alguma renda para ajudar no final do mês, como se locomovem, quanto custa a tarifa do transporte público, o preço do gás e demais gastos de uma residência de forma sistemática, organizada mês a mês, é praticamente impossível planejar sua vida e suas dívidas.
A displicência criminosa como o Censo de IBGE vem sendo tratado pelo grupo que compõe o Executivo é exemplo claro da falta de vontade política para deixar as contas em ordem. E por que seria diferente o tratamento dado às remoções forçadas e aos despejos? Para que quantificar? Para expor publicamente o problema e depois ter de planejar políticas públicas para atender à população socialmente vulnerável? Políticas públicas que retirem o país e os brasileiros do mapa da fome, da extrema pobreza e das condições de insegurança sanitária a que estão expostos. Presidente, saiba que, mesmo após a finalização do período de calamidade pública, a recuperação econômica, social e a melhoria dos indicadores de vulnerabilidade de metade dos brasileiros não mudarão repentinamente. Caberá ao mandatário do país, se não lhe for possível técnica e intelectualmente criar condições para reverter os efeitos econômicos perversos oriundos da pandemia, ao menos não atrapalhar os representantes eleitos pelo povo para as duas casas, Congresso e Senado, e deixá-los trabalhar para que possam colocar o país nos trilhos do desenvolvimento humano e do crescimento sustentável.
Você concorda com o Projeto de Lei nº 827, recentemente aprovado pelo Legislativo, que suspende os despejos e remoções forçadas da população economicamente vulnerável até o final da pandemia?
Saiba mais na coluna de @helenadegreas https://t.co/xWlvDhJlqK
— Jovem Pan News (@JovemPanNews) October 5, 2021
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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