Você percebeu alguma diferença na qualidade do transporte público em sua cidade nos últimos anos?
Dia Mundial Sem Carro celebrou diversas ideias ao redor do mundo que visam à substituição do automóvel particular; em São Paulo, serviu apenas para o prefeito postar sua foto em um ônibus vazio
Na última quarta-feira, 22, comemoramos o Dia Mundial Sem Carro, que tem como objetivo conscientizar as pessoas sobre o uso responsável dos automóveis e propor uma reflexão sobre a dependência que criamos com o transporte individual motorizado como meio de locomoção. A data foi criada na França, em 1997, e faz parte da Semana Europeia de Mobilidade, celebrada por inúmeros países que, durante o período, realizam várias atividades esclarecendo as pessoas sobre as alternativas existentes para a realização dos deslocamentos e os benefícios que resultam à saúde e ao planeta.
No continente europeu, governos locais realizaram não apenas ações para conscientização da população, mas também apresentaram realizações que objetivam conter as consequências climáticas resultantes do aquecimento global e cumprir as metas do European Green Deal (Acordo Verde Europeu), articulado em 2019 pela Comissão Europeia para tornar o continente neutro para o clima até 2050, atendendo as metas estabelecidas por ocasião do Acordo de Paris de 2015. Em comemoração ao Ano Ferroviário Europeu, destaca-se a iniciativa ambiciosa de conectar cidades e países do continente por meio do Connecting Europe Express. Coordenado pela Comunidade Europeia de Gestores Ferroviários e de Infraestrutura, o projeto congrega atualmente gestores locais de vários países e parceiros comerciais da União Europeia. O CEE estimula a população a participar da jornada, compartilhar suas experiências, bem como colaborar com sugestões para a melhoria da viagem.
Já a Irlanda iniciou um processo de requalificação dos antigos leitos ferroviários, dando-lhes um novo uso: pistas cicláveis que, vegetadas, pretendem transformar-se num extenso corredor verde que percorre povoados e cidades num trajeto de 42 km. Com um orçamento modesto de 6,7 milhões de euros, sua proposta foi colocada em prática, incentivando a economia local, gerando novos negócios e empregos ao viabilizar uma rota turística antes inexistente. Os corredores verdes cicloviários integram a EuroVelo, rede europeia de pistas cicláveis composta por 17 ciclovias de longa distância que conectam 42 países. Esforço de vontade política e adequação técnica entre Estados, o projeto faz parte da Comunidade Europeia e pretende alcançar a descarbonização de sua economia, propondo uma mudança cultural que objetiva a substituição do transporte motorizado individual por meio da promoção de campanhas e ações concretas para a realização de viagens diárias saudáveis de trabalho, recreação e turismo.
Nova York, Copenhague e Portugal adotaram a plataforma AYR, desenvolvida pelo centro tecnológico CEiiA (Matosinhos, Portugal) que utiliza a tecnologia blockchain para atribuir créditos às pessoas que utilizam transportes sustentáveis como a bicicleta. A plataforma quantifica, precifica e viabiliza transações com os créditos adquiridos pelos usuários ao evitar as emissões dos gases de efeito estufa. Ao final, o usuário pode trocar os créditos em uma rede de parceiros por bens e serviços “verdes”. Itajaí, em Santa Catarina, tornou-se, na semana passada, a primeira cidade na América Latina a adotar a plataforma. Ao registrar seu deslocamento no aplicativo MovItajaí, além de receber informações em tempo real dos pontos de parada e localização dos ônibus, o cidadão recebe um AYR-Itajaí a cada 100 g de CO2 evitados. Em seu site institucional, a prefeitura de Itajaí informa que as pessoas podem utilizar seus créditos na rede local de comerciantes e prestadores de serviços. A moeda digital também poderá ser convertida em reais no futuro e terá cotação variável definida pelo mercado, com valor atual estimado entre R$ 0,10 e R$ 0,15, mas com tendência de crescimento, acompanhando índices globais.
Em São Paulo e em todo o país, organizações da sociedade civil alinhadas às discussões da agenda urbana internacional que tratam da descarbonização do planeta por meio da adoção de políticas públicas que implementem planos de mobilidade urbana sustentável tiveram uma agenda repleta de discussões sobre programas nacionais e atividades voltadas à conscientização da população. Ações já conhecidas e aplicadas em cidades do mundo todo foram apresentadas e debatidas, como a cobrança do estacionamento de veículos particulares em vias públicas — e seus recursos destinados à aplicação nos projetos previstos pelos Planos de Mobilidade Urbana —, ampliação de calçadas para o trânsito seguro de pedestres, conexão entre modos de locomoção, ampliação da rede cicloviária e a necessidade urgente da integração física e operacional dos sistemas de transporte para barateamento de tarifas, além da revisão dos modelos de contrato, reversão dos recursos das multas aplicadas às infrações de trânsito para ampliação dos modais e diversas outras ideias que colocam em prática ações urgentes e necessárias para minimizar o sofrimento de mais da metade da população que utiliza a rede de transporte coletivo para deslocar-se por horas na cidades. Algumas das questões debatidas, além da apresentação de boas práticas de gestão de mobilidade sustentável, uniram sociedade civil organizada, veículos de comunicação em massa e cidadãos, apontando o crescente interesse pelo tema.
Já na cidade de São Paulo, onde moro, a agenda do prefeito Ricardo Nunes mostrou que ele foi trabalhar de ônibus e, ao descer, dirigiu-se à sede da prefeitura a pé. Impressionante. Fico feliz como cidadã. Até postou o feito em suas redes sociais! Tenho plena convicção de que, se o uso do ônibus fosse uma atitude corriqueira, como é para vários prefeitos e demais gestores públicos de cidades europeias, o fato não seria relevante. Para que postar sua foto no “busão” vazio? A postagem é só para lembrar que o prefeito utiliza o transporte público apenas em datas especiais. Sugiro que, da próxima vez, incorpore modos ativos, como a bicicleta e a caminhada, que, além de trazerem benefícios à saúde, permitem vivenciar a realidade do cidadão comum nos ônibus lotados, nas ciclovias implantadas sobre sarjetas ou até nas calçadas esburacadas onde minha mãe, à exemplo de vários outros idosos, tropeçou e se arrebentou na semana passada.
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Prefeito, vereadores e secretários: por favor, deem o exemplo e coloquem a cara na rua, na calçada, no trem, no ônibus e até na bicicleta, se for o caso. Deixem os paletós em casa. Suem a roupa comum do dia a dia nas ruas. É até possível que, ao vestir roupinha de pedestre e ciclista, criem tendência com seu novo “dress code” de trabalho. Já pensaram? Todo os dias farão parte do casual friday, com vestimentas confortáveis e bem mais “em conta” do que ternos e sapatos sociais. Compartilhem os armários e sanitários dos colaboradores, agentes públicos que os servem diuturnamente em seus gabinetes. Utilizem e paguem pelo mesmo transporte com o qual nós, cidadãos comuns, realizamos nossas rotinas diárias. Nada de motoristas e carrões pretos com placas especiais pagos pelo suado dinheirinho do contribuinte. Para que isso, gente? Acaso os ilustres representantes públicos brasileiros não conseguem se misturar com as pessoas que os elegeram? Vamos ao menos tentar com mais afinco e postar menos? Que esse seja o novo normal dos políticos eleitos pela população brasileira.
Dia Mundial Sem Carro: Você percebeu alguma diferença na qualidade do transporte público em sua cidade nos últimos anos?
Saiba mais na coluna de @helenadegreas: https://t.co/RxEGrA7x7J
— Jovem Pan News (@JovemPanNews) September 28, 2021
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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