Falta de energia, incêndios e estiagem: o fato é que chegamos a uma situação ambiental insustentável

Planejamento à brasileira consiste em ‘apagar um ponto de luz em casa’; desfigurar o Código Florestal não significa nada para quem vê na manutenção das florestas um perigo ao desenvolvimento

  • Por Helena Degreas
  • 31/08/2021 10h00 - Atualizado em 31/08/2021 10h19
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Evelson de Freitas/Banco de Imagens/Estadão Conteúdo Foto tirada de cima de duas nascentes de um rio que se encontram no meio, onde ele fica mais cheio. Em volta, uma floresta com bastante vegetação Matas ciliares, que são vegetações ao longo das margens de rios, córregos e reservatórios, ajudam na proteção contra o processo de assoreamento

Uma coisa é certa: o inquilino do Planalto cumpre à risca as promessas realizadas durante a campanha presidencial delegando, aos ilustres congressistas e senadores, decisões que afetam diretamente a vida da população brasileira e põem à deriva todos os acordos de cooperação que compõem a agenda climática internacional dos quais o Brasil é signatário. Ao assistir a “live” de Jair Bolsonaro solicitando aos brasileiros que apaguem ao menos um ponto de luz em suas casas, como forma de contenção do consumo de energia elétrica que levará a um apagão em escala nacional, imediatamente lembrei-me do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que, em uma recomendação direcionada às mulheres, sugeriu a redução do uso de secador de cabelo como meio de evitar uma crise energética no país. E emendou, afirmando que ele, em especial, preferia mulheres que penteavam o cabelo com os dedos, deixando-os secar naturalmente.

Para além da misoginia presente na fala de Maduro e a precariedade do pensamento de Bolsonaro, os dois mandatários têm pontos em comum: a falta de capacidade intelectual para gerir políticas ambientais mais longas, eficazes e a ausência completa de empatia tanto com a população mais pobre, que é a mais afetada pelas consequências das ações estapafúrdias respaldadas pelos rompantes de achismo presidenciais, quanto o desrespeito com os cerca de 7,8 bilhões de residentes do planeta Terra. É como se as consequências de suas ações ficassem contidas em seus cercadinhos. Ouso afirmar que Bolsonaro é ainda mais nefasto: a inação com as questões que afetam os recursos naturais brasileiros foi deixada à mercê de deputados e senadores. Na ausência de uma política de proteção ambiental, cada um deles trabalha em causa própria e a interesses privados, atendendo a grupos de empreendedores do setor imobiliário ou da bancada ruralista. Legislam para o momento atual e para o lucro de poucos. Desfigurar o Código Florestal não significa nada para deputados que veem, na manutenção das florestas e no direito constitucional das terras pertencentes aos povos originários – aqueles que preservam as florestas e o ambiente –, perigo ao desenvolvimento. Preservar os ecossistemas para que as gerações futuras possam usufruir? Besteira de “socialista e comunista”.

Por acaso alguém lembra o nome do atual ministro do meio ambiente ou o que faz? Há alguma campanha nacional para o uso consciente de água e de energia elétrica? Há investimentos para a preservação das florestas? Há investimentos para a produção de energias alternativas? Ou as ações restringem-se ao aumento da tarifa de energia elétrica residencial e à orientação de “apagar um ponto de luz em casa”? Pelo andar da carruagem, provavelmente os secadores de cabelo serão os próximos vilões responsáveis pela crise energética. As consequências ambientais que se apresentam na forma de incêndios (intencionais ou causados pela estiagem longa em vários biomas), alagamentos e enxurradas em áreas urbanas especialmente em áreas de risco onde habita a população mais pobre nas cidades, altas temperaturas e chuvas torrenciais em todo o planeta, são também causadas pelas “boiadas que andam passando” pelo Congresso, expressão cunhada pelo ex-ministro Ricardo Salles. Aliás, por onde anda o cidadão? Alguém sabe?

Semana passada, mais uma boiada passou com a aprovação do texto-base da Lei federal n. 12.651/12. Conhecida como Novo Código Florestal, a lei regulamenta o uso e a proteção de florestas e demais tipos de vegetação nativa dos imóveis rurais privados e é de autoria do deputado Rogério Peninha (MDB-SC). Nela, transfere aos municípios a competência de regulamentação das regras de proteção das margens de rios em áreas urbanas. O Código Florestal, que está sendo desfigurado pela nova proposta de lei, determina uma faixa a ser preservada ao longo dos rios que varia entre 30 e 500 metros, conforme a largura do leito. Pela alteração da lei, cada prefeito agora faz o que quer com as matas ciliares. Além disso, todas as ocupações ilegais nestas áreas que estavam presentes até o dia 28 de abril de 2021 poderão permanecer onde estão, desde que feitas as compensações ambientais. De acordo com deputado Peninha, a proposta permitirá o desenvolvimento das cidades.

Os rios que atravessam as cidades brasileiras já passaram por toda sorte de intervenções que interferiram drasticamente nas condições ambientais: do período higienista em que gestores públicos adotaram a retificação e drenagem dos recursos hídricos ao desenvolvimentista que tamponou e asfaltou rios para construção de ruas e vias nas cidades. O fato é que chegamos a uma situação ambiental insustentável. A falta de energia elétrica está relacionada com a falta de água nos rios e nos reservatórios. Para que tenham água, é preciso que a estiagem que estamos atravessando, a pior nos últimos 90 anos, acabe, e que chova um volume de água acima da média. Os fenômenos climáticos conhecidos como El Niño e La Niña enfraquecem a precipitação e interferem na produção de chuvas: no Sul levam a estiagens mais longas, e no Nordeste predominam secas intensas que vem se agravando em intensidade graças às mudanças climáticas severas no planeta. Dito de outra forma, não há previsão de chuvas no volume necessário para abastecer os reservatórios.

As chuvas, por sua vez, dependem de vários fatores, dentre eles, a existência de áreas vegetadas que influenciam a quantidade de umidade presente no ar. No caso, trato especificamente das matas ciliares, ou ainda, da vegetação que fica ao longo das margens de córregos, rios e reservatórios que, dentre outras funções, protegem as margens do processo de assoreamento. É também o habitat natural da fauna aquática que dela depende para a sua reprodução. Qualquer pescador sabe de tudo isso: quer peixe? As matas ciliares precisam existir. As crianças que frequentam os bancos escolares aprendem o valor da preservação das matas ciliares em seus livros de geografia. É uma geração que tem claro o papel dos ecossistemas na preservação da vida terrestre. Quanto maior a presença de vegetação, maior a umidade, maior a incidência de chuvas. Será que é preciso “desenhar” para que os analfabetos ambientais que hoje frequentam o Congresso e o Senado possam compreender? O projeto de lei federal n. 12.651/12 é uma afronta à ciência ambiental e à vida no planeta, ao impor a vontade de alguns grupos ruralistas e empreendedores imobiliários para alavancar seus negócios, desrespeitando as diretrizes ambientais que sustentam a vida no planeta e permitem às gerações futuras o uso racional dos recursos naturais.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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