Pedras no céu e liberdade: as lembranças do arquiteto Paulo Mendes da Rocha

Expoente da arquitetura brasileira morreu no domingo, aos 92 anos; sua partida deixa saudade, mas legado está espalhado pelas cidades, materializando uma vida profissional profícua

  • Por Helena Degreas
  • 25/05/2021 09h00
Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo - 21/10/2013 De bigode branco, cabelo grisalho volumoso, paletó cinza e camisa branca, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, um homem branco na casa dos 80 anos, posa para foto O arquiteto Paulo Mendes da Rocha foi um dos mais importantes representantes do modernismo brasileiro

“Pedras no céu.” Foram com estas palavras que o engenheiro Mário Franco explicou o conceito estrutural do projeto realizado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) em uma de suas aulas ministradas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). De maneira didática, o professor Mário explicava a importância da compatibilização do projeto arquitetônico com o projeto estrutural, enfatizando que os dois profissionais devem trabalhar juntos para que obras de arte, como aquela, pudessem se materializar nas cidades. A solução encontrada para colocar a “pedra do Paulo no ar”, no caso o MuBE, foi inspirada na estrutura dos pássaros que, se por um lado precisam ser muito leves para voar, por outro devem ter ossos com resistência adequada para não desmoronar, quebrar.

Semanas depois, o professor Paulo Mendes da Rocha explica, em uma das orientações nas aulas de ateliê de projeto na FAUUSP, que o vão de 60 metros era necessário para que o museu se abrisse em praça para a cidade, garantindo, desta forma, uma continuidade espacial por meio do grande plano horizontal. Falou sobre a liberdade. Projetou liberdade. Nunca mais esqueci. Para além dos atributos funcionais e estéticos, sua obra tinha um papel político, situação esta que lhe impôs um afastamento compulsório em 1969, juntamente com seu mestre, Vilanova Artigas, e outras dezenas de professores durante todo o regime de ditadura militar. Por ser um pensador de esquerda, não deve ter sido fácil ficar longe de seus alunos, tampouco projetar e construir suas obras. Voltou durante a redemocratização, dando prosseguimento às atividades acadêmicas, sendo responsável pela formação de várias gerações de arquitetos inspirados em sua obra e suas ideias políticas. 

Representante da Escola Paulista de Arquitetura, Paulo pertenceu à primeira geração de arquitetos que realizou trabalhos marcadas pela ênfase na técnica construtiva, pela adoção do concreto armado aparente e valorização da estrutura. Sua obra era marcada pela busca da continuidade entre interior e exterior, pela construção de espaços únicos, contínuos, que permitiam a livre-circulação, entendida por ele como um ato de liberdade. Foi um dos mais importantes representantes do modernismo brasileiro, tendo recebido dois Pritzker, o Leão de Ouro da Bienal de Veneza e o Prêmio Imperial do Japão, além da medalha de ouro do Riba, o Real Instituto de Arquitetos Britânicos. Mais recentemente, conquistou a medalha de ouro da União Internacional de Arquitetos (UIA). 

Sua obra é reconhecida internacionalmente. Destacam-se, entre inúmeros trabalhos, o Museu Brasileiro de Escultura (1988), a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1993), o Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (1996), o Museu da Língua Portuguesa (2006) e o projeto das novas instalações do Museu Nacional dos Coches, na zona de Belém, em Lisboa. Existe a ausência física, a saudade que fica por conta das palavras e pensamentos que deixam de acontecer. Mas a morte? Essa, definitivamente, não. Seu legado está aí, espalhado nas cidades, materializando uma vida profissional profícua, cujos pensamentos e posições políticas ficaram expressos em todas as suas obras. Nós, seus ex-alunos e discípulos, continuaremos aplicando seus ensinamentos e trabalhos. Muito obrigada, mestre.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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