Quero mais árvores e menos mau-humor em minha cidade

Estudos recentes mostram que a presença de vegetação reduz a ansiedade e melhora a saúde mental da população; um deles aponta que há distribuição desigual na arborização urbana de São Paulo

  • Por Helena Degreas
  • 26/10/2021 09h00 - Atualizado em 26/10/2021 09h17
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Helena Degreas/Jovem Pan Rua com duas calçadas, sendo uma elas bem ampla, com bancos, alguns transeuntes, jardins e diversas árvores Pesquisa afirma que as árvores existentes ao longo de uma caminhada podem melhorar o humor e minimizar os efeitos provenientes da depressão

Ar contaminado, excesso de ruídos, poluição visual e ausência de pequenos locais arborizados próximos aos ambientes de trabalho e de casa têm afetado a qualidade de vida e a saúde mental dos cidadãos nas grandes cidades brasileiras. Acrescente a isso outros fatores como o medo da morte, o afastamento social e físico de familiares, parentes e amigos durante todo o período da pandemia, que, para nosso infortúnio, ainda persiste, graças à vacinação desigual que ocorre no Brasil e no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Embora várias pesquisas científicas relatem a importância da preservação e conservação de florestas e ecossistemas para a manutenção da vida no planeta Terra, as áreas verdes em cidades são predominantemente tratadas por gestores públicos como locais destinados à recreação e lazer da população urbana.

Estudos recentes mostram que a presença de vegetação reduz a ansiedade e melhora a saúde mental da população. O Urban Street Tree Biodiversity and Antidepressant Prescriptions (Biodiversidade das Árvores de Rua e a Prescrição de Antidepressivos, em tradução livre), recentemente publicado na revista Scientific Report” (grupo Nature), demonstra que o contato com elementos naturais favorece a saúde mental da população. A pesquisa foi feita a partir da análise de indivíduos arbóreos, ou ainda, árvores e suas copas, excluindo gramados e demais vegetações rasteiras ou arbustivas. Significa que as árvores existentes ao longo de uma caminhada até o trabalho, ao ponto de ônibus, à escola ou até ao mercadinho perto de casa são suficientes para melhorar o humor e minimizar os efeitos provenientes da depressão e da ansiedade.

O estudo analisou a associação entre a densidade de arbórea nas ruas e a diversidade de espécies vegetais com a prescrição de antidepressivos para 9.751 habitantes de Leipzig, na Alemanha. Foram examinados os efeitos do volume de elementos vegetais plantados nas ruas em diferentes distâncias (100 m, 300 m, 500 m e 1.000 m) nas proximidades das residências do grupo de participantes. A pesquisa sugere que o contato diário não intencional com a natureza, por meio de árvores nas ruas perto de casa, poderia reduzir o risco de depressão, especialmente para indivíduos em grupos socialmente vulneráveis, mas chegou a resultados conclusivos em relação a casos de ansiedade. Em regiões com uma diversidade de espaços arborizados, a presença de pessoas ansiosas foi menor do que em regiões com a prevalência de telhados, asfalto e demais elementos construídos.

No Brasil, o artigo Avaliando o Impacto do Ambiente Urbano e da Infraestrutura Verde na Saúde Mental: Resultados da Pesquisa de Saúde Mental da Megacity São Paulo, publicado na revista científica “Journal of Exposure Science & Environmental Epidemiology” (grupo Nature), apresenta os resultados de levantamentos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros utilizando os dados do São Paulo Megacity Mental Health Survey (SPMHS), segmento brasileiro do estudo World Mental Health Survey (WMH Survey), uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que analisa dados sobre o abuso de substâncias e sua relação com os distúrbios mentais e comportamentais em várias cidades do mundo.

Aplicado na cidade de São Paulo, o estudo avaliou uma amostra de 5.037 pessoas maiores de 18 anos da região metropolitana a partir de questionários. Em artigo publicado no Jornal da USP, Tiana Moreira, engenheira agrônoma, pesquisadora no Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e uma das autoras de Avaliando o Impacto do Ambiente Urbano e da Infraestrutura Verde na Saúde Mental afirma que há distribuição desigual na arborização urbana. Ressalta que as regiões localizadas nas periferias das regiões centrais apresentam menos áreas vegetadas, como parques, florestas, praças, hortas comunitárias e outras formas de paisagens naturais, do que as regiões mais ricas da cidade. Acrescento que a falta de árvores, calçadas, escolas e demais infraestrutura urbanas tem a mesma origem: a ausência do Estado na proposição de políticas públicas habitacionais para a população de baixo poder aquisitivo, promovendo a formação de bairros e mais bairros que surgem e crescem à margem das regulações urbanísticas. Sem planejamento, em muitos locais sequer calçadas ou praças existem, o que se dirá do plantio de árvores. A ausência de vegetação é mais um dos reflexos injustos da segregação urbana.  

Pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology Senseable City Lab, em colaboração com o Fórum Econômico Mundial, lançaram uma plataforma usando dados e informações do Google Street View para medir e comparar as copas das árvores nas principais capitais do mundo. Conhecida como Treepedia, a plataforma é interativa e permite aos usuários visualizar a localização e o tamanho das árvores de sua cidade, enviar informações para ajudar a marcá-las e reivindicar uma ação de plantio mais significativa na área em que o cidadão se encontra.  Seus desenvolvedores reconhecem que a cobertura arbórea urbana ilustrada nos mapas desempenha um papel importante na vida urbana ao mitigar temperaturas extremas, bloqueando a radiação de ondas curtas e aumentando a evaporação da água, além de criar microclimas mais confortáveis, reduzindo a poluição do ar causada pelas atividades urbanas cotidianas e absorvendo a água das chuvas e tempestades com suas raízes.

Cidades como Vancouver, Oslo, Singapura, Tampa e Cambridge lideram os indicadores de cobertura vegetal, chegando a mais de 25% da área urbana. As menores coberturas encontram-se em Kobe, Quito, Paris e São Paulo, que apresenta 11,7% de área com cobertura arbórea e densidade populacional de 7,913/km². Locais mais populosos demandam uma incidência maior de áreas verdes plantadas com elementos arbóreos, não bastando apenas o tradicional gramado descuidado tão comum nas áreas verdes urbanas. Aumentar o plantio de árvores nas cidades tem agora mais um novo componente que deve ser incorporado às políticas ambientais urbanas como forma de colaborar na saúde mental dos cidadãos: o incremento de espécies arbóreas não mais por seus critérios estéticos, recreacionais, simbólicos ou ambientais, mas também como parte do verde “cotidiano”, necessário à saúde e ao equilíbrio mental.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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