Vamos cobrar dos vereadores e do prefeito de São Paulo uma solução para o problema das moradias populares?
Capital financeira da América Latina nunca conseguiu prover aos cidadãos de baixa renda habitações em regiões com transporte, escolas, delegacias, postos de saúde, parques e até calçadas
Cidades como São Paulo (2014) e Salvador (2016) incluíram em seus Planos Diretores Estratégicos (PDE) um instrumento urbanístico denominado cota de solidariedade para estimular agentes do mercado imobiliário a construir unidades habitacionais direcionadas ao público que ganha entre um e seis salários-mínimos em áreas onde existe transporte público e demais infraestruturas nas cidades. Reitero: cobrar do mercado imobiliário a provisão de habitações de interesse social para a população de baixa renda e que mora longe das regiões com transporte, escolas, delegacias, postos de saúde, centros culturais, praças, parques e até calçadas! Quem diria… Nem isso a capital financeira da América Latina conseguiu dar aos cidadãos ao longo da história. No portal do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), encontro esta postagem datada de 3 de novembro de 2015: “O decreto deve onerar o custo final do imóvel ao causar desequilíbrio na formação do preço do imóvel”. E mais adiante: “Trata-se de mais uma restrição ao terreno, um item que onerará o valor do produto final para o consumidor”.
O instrumento tinha uma função social. Foi criado em 2013 como projeto de lei e pretendia oferecer moradia digna para aqueles que, ainda hoje, encontram-se em situação precária e sobre áreas sujeitas a enchentes, inundações e deslizamentos. Em troca da construção de edifícios multifuncionais (com mais de 20 mil m²), localizados nos eixos onde se encontram os corredores de ônibus e metrô, as incorporadoras receberiam o direito de construir 10% acima do potencial construtivo mediante doação de terreno ao município. Sonho de consumo de qualquer agente do mercado imobiliário.
É histórica e notória a incapacidade de diversos governos e partidos em suprir as necessidades básicas daquilo que os cidadãos entendem e esperam ao morar em cidades. É bem mais do que uma casa, é tudo o que envolve nossas atividades cotidianas. Na semana passada, descrevi ao senhor prefeito a diferença entre sistema de transporte e mobilidade urbana, recomendando-lhe a leitura atenta do Índice de Acesso à Cidade (Instituto Multiplicidade Mobilidade). Espero que tenha lido. E compreendido. Atualmente, são cerca de 369 mil (Plano Municipal de Habitação, dados 2020). Foram tantas as alterações que sofreu quando passou pela Câmara de Vereadores naquela época que, ao final, enterrou de vez a pretensão municipal de ampliar o banco de terras e moradias para atender a habitação social (entre 0 e 3 salários-mínimos). Explico.
Quando passou pelo Legislativo, o projeto de lei que instituía a cota de solidariedade foi profundamente modificado pelos vereadores para atender as demandas do mercado imobiliário ao incorporar três novas alternativas. Repito: atender às expectativas do mercado imobiliários nas áreas mais valorizadas da cidade e não nos eixos mais distantes. Na primeira alternativa à destinação de HIS no próprio empreendimento licenciado, determinava que as moradias voltadas à população de baixa renda poderiam ser construídas em outros terrenos (perfeito para a cobiça imobiliária). Na segunda alternativa, o empreendedor faz a doação de terreno com valor equivalente a 10% do empreendimento original (sem as benfeitorias, obviamente, a prefeitura perde arrecadação) e, por fim, a alternativa mais utilizada: aquela em que os empreendedores depositam 10% do valor do terreno (valor sem benfeitorias) onde será implantado o empreendimento no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).
Na prática, o resultado foi decepcionante. Em uma minuta proposta para a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), realizada pelo Gabinete da Cidade (PSB) em parceria com inúmeras fundações voltadas aos estudos e práticas sociais, entre os anos de 2014 e 2020, apenas 33 empreendimentos utilizaram a cota de solidariedade. Cabe destacar que apenas 30 empreendimentos eram construções novas, enquanto os três restantes eram reformas, inclusive com categoria de uso não-residencial. Do total, 26 optaram por doar recursos ao Fundurb e apenas sete produziram moradias sociais na área dos projetos. De acordo com a análise apresentada na minuta, aparentemente, os empreendimentos que vêm sendo construídos nos eixos de desenvolvimento da transformação urbana que superam os 20 mil metros quadrados de área útil são desmembrados em várias matrículas, de forma a configurarem lotes lindeiros com menos de 20 mil metros quadrados de área útil de cada um, deixando, com essa ação, de se enquadrar na cota de solidariedade.
As propostas apresentadas pela equipe do Gabinete da Cidade apontam soluções que deveriam compor a cota de solidariedade da Prefeitura de São Paulo no que concerne à provisão da demanda por moradias para a população com baixo poder aquisitivo. O mecanismo, na minuta rebatizada como cota de responsabilidade, deveria valer para empreendimentos com mais de 10 mil metros quadrados de área computável, considerando-se as unidades destinadas à HIS como área computável e poderia, em alguns anos, suprir a demanda por milhares de moradias por meio das seguintes alterações no PDE:
- (i) a partir da doação do equivalente a 10% da área para a construção de unidades habitacionais (UHs) de Habitações de Interesse Social (HIS) (sendo ao menos 60% destas destinadas a HIS 1 – de 0 a 3 salários-mínimos) no próprio empreendimento;
- (ii) a partir da doação do equivalente a 10% da área útil para a produção de HIS 1 em terrenos dentro da Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM) e na Macroárea de Urbanização Consolidada (MUC), com ao menos 60% destas destinadas a HIS 1;
- (iii) a partir da transferência de recursos que equivalham a 15% do valor da área útil dos empreendimentos para a provisão habitacional via locação social dentro da MEM e da MUC. Propõe-se o uso desse montante via Fundurb para a aquisição de moradias pela prefeitura ou outras despesas relacionadas à locação social. Sugerem o estabelecimento de um fundo patrimonial público (endowment) de locação social, cujos rendimentos sejam investidos na aquisição e na reforma de um parque de moradias e na sua gestão predial para cumprir a Meta 12 do Programa de Metas (prover 49 mil moradias de interesse social até 2024).
Prefeito, as propostas contidas na minuta são realistas e podem colaborar na solução dos problemas habitacionais que assolam nossos cidadãos desde o século retrasado. Leia, por favor. Boa parte delas já são realizadas em diversos países, especialmente nos Estados Unidos e França. Não tem novidade. Apenas precisam adequar-se à regulação urbana e ao contexto social brasileiro. Elas permitem a criação de um estoque de moradias públicas para atender desde desastres sociais, provocados pela nossa irresponsabilidade para com as questões ambientais, como também para atender populações vulneráveis. Promovem a diversidade social, a corresponsabilidade (poder público e iniciativa privada) pelo combate às desigualdades sociais e territoriais urbanas, além de aumentar a arrecadação de recursos para fins de produção habitacional. Pare, por favor, de investir recursos em estúdios de lata, como ouvi outro dia no ônibus de um passageiro que, às gargalhadas, lembrou-se das escolas de lata, referindo-se às instituições municipais de ensino instaladas em contêineres metálicos até 2002 na cidade.
Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.
Você acredita que o prefeito de sua cidade investe recursos para habitação de interesse social?
Saiba mais na coluna de @helenadegreas:https://t.co/x1KH5C5WNg
— Jovem Pan News (@JovemPanNews) January 31, 2023
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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