Vamos comemorar o feriado? Dia em que o ócio dá lugar à vida

Comemorar o Dia do Trabalho? De jeito nenhum; tempo livre é tempo precioso demais para ser desperdiçado com trabalho

  • Por Helena Degreas
  • 01/05/2023 16h36
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Reprodução/Freepik/Fotos gratuitas Jovem relaxando em um sofá cinza Foto ilustrativa de homem descansando em casa

“El hombre que trabaja pierde tiempo precioso” (provérbio espanhol)

“Cansei de trabalhar. Não quero fazer mais nada obrigado”. Foi com esta frase que, em um domingo ensolarado durante o almoço, meu pai orgulhosamente comunicou aos familiares que pretendia encerrar suas atividades nas loja e na fábrica. “Chega de abrir a porta para as costureiras às 6h00, a loja às 8h00, passar o dia olhando o estoque, os pagamentos, de ver quem faltou, de correr o dia comprando os materiais das roupas que as pessoas compram…”. Acrescentou: “vou passar as tardes no καφενιο (espaço com mesa na calçada para beber café) falando da vida e ouvindo futebol no rádio com os amigos lá no grego (restaurante Acrópole, no Bom Retiro), quero andar mais lá na cidade (centro), ler jornal, ouvir minha filha tocar piano. Quero fazer o que eu quero fazer”. Cumpriu a promessa.

Lembro-me de um pai que não tirava férias. Nos domingos e feriados, conversávamos muito sobre qualquer coisa enquanto, entre risadas, jogávamos futebol com os meninos da rua. Ele não tinha jeito para brincadeiras mais sutis. Eu, tampouco. Canelas rochas e joelhos ralados, eram minha marca registrada. Ruas fechadas pelos vizinhos, impediam a entrada de carros estranhos. Crianças, jovens e adultos simplesmente ocupavam a rua com bolas, pipas, bicicletas, corridas e brincadeiras diversas. Não faltavam os lanches e piqueniques improvisados em cadeiras e mesinhas pela vizinhança que, longe do corre-corre da semana, encontravam naqueles momentos, a oportunidade para encontra-se e colocar as fofocas em dia: “Sabe a Dona Dalva? Aquela que o marido…”

A maledicência corria solta e, como fogo sobre palha, incendiava o bairro… Eu? Voltava renovada para a rotina da semana. No dia 1º de maio, após a extensa rotina doméstica que qualquer don@ de casa se vê obrigad@ a cumprir na dia de folga, comemorei o dia da Literatura Brasileira caminhando até o sebo mais próximo de casa em busca de alguma velha novidade empoeirada que, esquecida na estante, me traria o prazer de ler. Encontrei. Vários títulos que permitirão, assim que lidos, viajar por meio das palavras, pensar a partir delas, enriquecer minha vida com ideias que sozinha, entre uma e outra reunião, não conseguiria desenvolver. Lembrar, reproduzindo o título do livro de Ailton Kranak, que “A Vida Não é Útil”. O que eu queria? Na verdade, buscava andar prazerosamente por aí, sem me preocupar com as tarefas do dia a dia. Queria utilizar o tempo desocupado e livre só para mim, de maneira produtiva, criativa permitindo-me experenciar certa qualidade de vida física e mental por meio da sensação de bem-estar.

Comemorar o Dia do Trabalho? De jeito nenhum! Tempo livre é tempo precioso demais para ser desperdiçado com trabalho. Meus antepassados gregos, bem como os povos romanos, transformaram o tempo livre gerado pelo período ocioso, não produtivo da vida, em uma rica convivência social e artística. Livres para conversar e dar vazão à vida sem imposições, a ociosidade equiparava-se a uma virtude, enquanto o trabalho, não. Dias repletos de celebrações, competições de ginástica, espetáculos dramáticos, cantos, óperas e versos recitados e cantados entretinham e divertiam as populações, enchendo as termas, as ruas, os becos, as praças, os teatros abertos, toda a cidade. Ao longo da caminhada, literalmente trotando e desviando de sujeira, buracos, obras de construção civil cuja desorganização dos canteiros atrapalha meu ir e vir, ausência de sombreamento nas ruas, fui tomada por uma saudade dolorida das cidades europeias aprazíveis, acolhedoras, cujos espaços livres de uso público apresentam zeladoria urbana civilizada ou, ainda, de gestores públicos que, quando eleitos, são capazes de entender que esses locais desempenham um papel fundamental na promoção da saúde física e mental, além de contribuírem para a qualidade de vida e bem-estar dos cidadãos.

O relatório “Urbanização e Cidades Brasileiras”, publicado pelo IBGE em 2019, cerca de 35% da população urbana do país vive em áreas periféricas, muitas vezes caracterizadas pela falta de infraestrutura urbana adequada e pela ausência de espaços públicos de qualidade e, em grande parte, com zeladoria urbana marcada pela precariedade: varrição ruim, iluminação voltada ao pedestres e ciclistas ineficiente são alguns dos exemplos.  Situações como as descritas, trazem consequências negativas para a população local geradas pela falta de opções de lazer e entretenimento para as crianças e jovens, pela limitação das possibilidades de prática de atividades físicas e esportivas, pela restrição da convivência e interação social e, por fim, pela carência de áreas verdes e arborizadas, o que pode levar a problemas de saúde, como doenças respiratórias e estresse.

Na cidade em que moro, a atual gestão da Prefeitura de São Paulo vem se destacando pela incapacidade de perceber que a ausência de espaços públicos de qualidade nas áreas periféricas, contribui para a exclusão social e a marginalização desses moradores, pois encontram-se privados de acesso a bens e serviços essenciais à vida urbana, como cultura, lazer e convivência social. Interdição da circulação de veículos como ocorre na Avenida Paulista e no Elevado Presidente João Goulart (Minhocão) deveriam ocorrer em todo o território da cidade. Se por um lado é conveniente a operacionalização do fechamento de ruas em dois ou três pontos da cidade, por outro chega a ser cruel o fato de levar famílias inteiras a pagar pelo transporte público para chegar nestas regiões centrais. Comprar comida ou pagar passagem de transporte? Essa é a questão. Enquanto a proposta “Tarifa Zero” (gratuidade do transporte público) não ganha força aqui em São Paulo, a promoção da interdição de ruas com ações públicas voltadas à recreação e lazer da população mais vulnerável, poderia marcar uma gestão voltada para a melhoria da vida dos cidadãos.

Na contramão do que meus ancestrais cultivavam e, da vanguarda das políticas públicas urbanas adotadas por prefeitos que, alinhados com as boas práticas urbanas internacionais, priorizam o bem-estar de seus cidadãos, a cidade de São Paulo suspende, no 1º de maio, o Programa Ruas Abertas na Avenida Paulista. Em 2021, dados da prefeitura de São Paulo, apontavam que a cidade tinha aproximadamente 26 mil ruas cadastradas. Atualmente, encontram-se aproximadamente 60 ruas. O programa foi praticamente abandonado pela gestão municipal. Desperdiça-se, portanto, uma oportunidade e tanto para que o Prefeito Ricardo Nunes posicione-se em favor da qualidade de vida pública, priorizando a integração social pela valorização da convivência, o bem-estar emocional das pessoas por meio do incentivo às atividades de lazer e entretenimento que geram momentos de descontração, prazer e felicidade, do aprendizado espontâneo proporcionado por novas experiências, conhecimentos e habilidades adquiridos num passeio ou, ainda, pela criatividade que, estimulada pela música, dança, pintura, entre outras, podem contribuir para o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. Doravante, celebrem a vida em cada segundo de tempo livre.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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