Vamos ‘plantar água’ com o uso da infraestrutura verde?

Para além do investimento público nas técnicas tradicionais voltadas à construção de grandes obras de infraestrutura para abastecimento de água potável em cidades, existem as ‘soluções baseadas na natureza’; relatórios apontam a eficácia de produções sustentáveis

  • Por Helena Degreas
  • 09/05/2023 15h04
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RENATO CÉSAR PEREIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Sistema Cantareira Vista da Represa do Rio Cachoeira, do Sistema Cantareira, em Piracaia (SP)

Para que o cidadão possa ter acesso à água potável na torneira de sua casa, todo um complexo sistema de construção civil é planejado e implantado. Ferragens, concreto e milhões de horas são investidos na produção de reservatórios e outras tecnologias para garantir o abastecimento para os diversos usos. Por que não aplicar as técnicas da infraestrutura verde de maneira a complementar e produzir uma água de melhor qualidade, abundante e mais barata?

A pergunta que ilustra a coluna é uma referência ao trabalho desenvolvido pelo suíço Ernst Götsch que há mais de quatro décadas defende a adoção de sistemas agroflorestais que combinam a produção de comida com a regeneração de florestas. Morador de Piraí do Norte, uma cidade no sul da Bahia, ele vem ensinando há décadas agricultores locais a recuperar nascentes e gerar água para “bombear na atmosfera”. Matéria realizada pela BBC Brasil (2021) mostra que o sucesso alcançado por sua produção, cursos e palestras alcançaram entidades como o Grupo Pão de Açúcar e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), este último, considerado o responsável pela maior produção de arroz orgânico no Brasil, segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), como mostrou reportagem da BBC News Brasil em 2017. Em comum, todos utilizam os princípios do design ecossistêmico para a regeneração ambiental.

Para além do investimento público nas técnicas tradicionais voltadas à construção de grandes obras de infraestrutura para abastecimento de água potável em cidades, existem as “soluções baseadas na natureza”. O termo, cunhado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), define a conservação, restauração e manejo da vegetação nativa a partir de estratégias, técnicas, ações e atividades envolvendo a compreensão dos ecossistemas naturais para resolver problemas sociais, econômicos e ambientais provocados por políticas de ocupação e uso dos recursos naturais insustentáveis. O bom e velho “Planejamento Ambiental” com especial atenção aos princípios do Design de Ecossistemas Humanos cujos conteúdos, obrigatórios na década de 1980, percorriam disciplinas, levando-nos, ainda na condição de aprendizes em arquitetura e urbanismo, a incorporar princípios ecológicos em nossas atividades projetuais. Na qualidade de aprendiz, à época, a proposição de políticas públicas e ações sobre o território só tem sentido a partir de uma visão ampla dos impactos que nossas ações têm sobre o mundo em que vivemos. A integração entre os sistemas de planejamento urbano, ambiental e as boas práticas de gerenciamento devem levar em conta a interconexão entre os sistemas naturais e humanos, considerando a importância ambiental, social e econômica para a tomada de decisões políticas. 

Reservatórios, represas e estações de tratamento são alguns dos sistemas convencionais para a oferta de serviços públicos que compõem os planos de gestão hídrica das cidades brasileiras. Estudos realizados pelo WRI Brasil, por meio dos projetos Infraestrutura Natural para Água, Pró-Restaura e Cities4Forests, apontam para os bons resultados econômicos e de retorno obtidos a partir do investimento em tecnologias que utilizam a infraestrutura natural como princípio de projeto. Algumas das ações descritas nos relatórios afirmam que o plantio de árvores associado a arbustos e forrageiras, a captura da água da chuva e redirecionamento para a recarga de aquíferos subterrâneos associado à participação da comunidade no processo de plantio, manutenção e proteção, são algumas das diretrizes que, quando incorporadas às políticas públicas para a elaboração dos planos de gestão hídrica, geram resultados surpreendentes.

Os relatórios apresentados para os sistemas de abastecimento de três grandes regiões metropolitanas – o sistema Cantareira, em São Paulo, a bacia do Guandu, no Rio de Janeiro, e as bacias do Jucu e Santa Maria da Vitória, no Espírito Santo – mostram que eles se encontram em situação crítica, ou ainda, que apresentarão dificuldades para suprir a demanda por água (Aqueduct World Risk Atlas|World Resources Institute) da população.

Os resultados das análises mostram que a restauração de 4 mil hectares de áreas prioritárias poderia levar a uma economia no tratamento da água de R$ 338 milhões ao longo de 30 anos para o Sistema Cantareira (SP), que a restauração de 2,5 mil hectares de pastagens degradadas (rios Jucu e Santa Maria do Vitória) pode gerar uma economia de quase R$ 93 milhões nos custos de tratamento de água em 20 anos e que a restauração de 3 mil hectares de pastagens com alto grau de erosão resultariam em uma economia de R$ 259 milhões. Os dados resultam de análises e diagnósticos datados entre 2018 e 2021.

A despeito da longa trajetória da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na defesa da conservação ambiental e no incentivo à produção sustentável, espera-se a retomada da temática da restauração ecológica, que é uma das principais ações previstas pelo Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), marcado por ações pífias, quando não controversas ou construídas por interpretações torturantes de dados, oriundas da gestão anterior.

O país tem um trabalho imenso pela frente para poder cumprir a meta de recuperação, reflorestamento e restauração de 12 milhões de hectares de florestas até 2030, além de implementar 5 milhões de hectares de sistemas integrados (agroflorestas) e recuperação de 5 milhões de hectares de pastagens degradadas. Juntas, estas áreas somam quase o tamanho do Estado de São Paulo.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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