Brasil só terá transparência total se recontar 100% dos votos eletrônicos impressos

Problema concreto é que, como está redigida, a PEC 135 só prevê auditoria parcial, com recurso ao judiciário, o que não assegura a segurança do resultado

  • Por Jorge Serrão
  • 14/06/2021 13h51
Tiago Hardman/Futura Press/Estadão Conteúdo Urna eletrônica com a palavra FIM escrita Apuração pública dos votos permitiria constatar se as informações do boletim emitido por cada urna eletrônica confere com a apuração dos votos impressos

Acirra-se a maior e mais importante luta da prematura campanha presidencial de 2022: o direito à transparência total eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro aproveitou a habitual live de quinta-feira à noite para advertir que, se o voto impresso pela urna eletrônica for aprovado pelo Congresso Nacional até outubro, será implantado no pleito do ano que vem. O recado foi direto para o supremo magistrado e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. Contrário ao aprimoramento do sistema, ele alega que a inovação vai causar mais judicialização. O próximo a presidir o TSE é Alexandre de Moraes — inimigo declarado do bolsonarismo e que deve seguir o raciocínio de Barroso. O establishment e a cúpula do Judiciário rejeitam mudanças no sistema de votação com urnas eletrônicas. Bolsonaro defende a aprovação da PEC 135 que regulamenta como será a impressão do voto e “auditoria” do resultado eleitoral. Aí reside o problema. A nova regra, se aprovada, não garante a transparência total do processo de escolha dos representantes políticos. Barroso tem toda razão ao reclamar do óbvio ululante: que haverá excessiva judicialização, porque os candidatos poderão recorrer aos TREs e ao TSE para questionar o resultado final do pleito. O ideal para o Brasil seria um modelo que manteria o voto eletrônico com impressão do voto, mas que garantiria, automaticamente, sem necessidade de pedido ao Judiciário, a recontagem física de 100% dos votos impressos. Uma apuração pública dos votos permitiria constatar se as informações do boletim emitido por cada urna eletrônica confere com a apuração dos votos impressos. Simples assim.

A tragédia fundamental é que o Brasil não consegue legislar corretamente. Assim, a aprovação da PEC 135 tem tudo para deixar as coisas como dantes na eleição do Abrantes. O processo eleitoral continuará questionável em termos de segurança dos resultados finais. Além disso, a tal “auditoria” pode ser pedida, judicialmente, por eleitores e candidatos, porém pode (e tende a) ser negada pela “Justiça” Eleitoral. Assim, já que se deseja aprovar uma proposta de emenda constitucional, o fundamental seria que o texto tivesse lógica e coerência para garantir a transparência inquestionável do mecanismo eletrônico de escolha. Ou seja, a recontagem de 100% dos votos — e não uma mera recontagem por amostragem. Com a aprovação da PEC 135 do jeitinho em que está, corremos o risco de aprovar uma mudança constitucional para que pouco ou nada mude, essencialmente ficando do mesmo jeitinho inconfiável. Teremos mais judicialização e persistirá a falta de confiança total no resultado final da eleição. O presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores deveriam saber que a mera aprovação da emenda constitucional, da maneira como está redigida de forma incompleta e imprecisa, não assegura a transparência total eleitoral — fundamental para a plena segurança e lisura da votação e apuração eletrônica do voto.

Bolsonaro e seus apoiadores precisam mudar, urgentemente, a redação da PEC 135. O trabalho de alteração do texto precisa merecer a atenção dos deputados federais Bia Kicis (que fez a proposição original), Paulo Eduardo Martins (presidente da comissão especial que estuda a PEC) e Filipe Barros (relator). Ainda dá tempo de aprovar um substitutivo que preveja a impressão do voto para recontagem pública automática e obrigatória de 100% dos votos. “Implorar” auditoria ao TSE e aos TREs (que podem negar o pedido) é deixar tudo do jeitinho como já está, encarecendo e complicando o processo para nada. O Brasil não precisa de mais judicialização inútil, e sim de aprimoramento, segurança e transparência total do mecanismo de escolha eleitoral de urnas eletrônica. Resumindo: Seria fundamental uma modificação profunda do texto original da PEC 135, ou a “mudança” a ser aprovada não vai mudar coisa alguma. O projeto merece um debate realista, que não está acontecendo sobre uma matéria que precisa ser aprovada a toque de caixa, até outubro, para valer já na eleição de 2022. É imprescindível que Bolsonaro e seus apoiadores acordem para a realidade de que, se não houver uma recontagem obrigatória e automática de 100% dos votos impressos, não haverá segurança total do processo.

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