Bolsonaro assume o risco de tomar o voto impresso como bandeira, mas luta para aperfeiçoar sistema é digna
Processo eleitoral brasileiro não convence a todos e joga um clima de desconfiança no ar; não mudá-lo pode deixar caminho livre para dificuldades futuras em aceitar resultados
O processo eleitoral não é uma disputa tecnológica, mas é guiado por costumes e cultura de cada país. A racionalidade foge quando o debate é eleitoral. Tecnicamente, não há nenhuma razão para mudar o processo eleitoral no Brasil. Está dando certo, e o presidente Jair Bolsonaro, assim como seus aliados, foi eleito pelo atual sistema. Não existe a possibilidade de adversários do presidente promoverem fraudes para eleger Bolsonaro e senadores que estavam fora da política. Uma fraude nas eleições de São Paulo, como sugeriu o chefe do Executivo, não colocaria seu filho Eduardo Bolsonaro como o deputado mais votado da história, com quase 2 milhões de votos. Mas ele está certo ao desconfiar do processo, como milhões de brasileiros o fazem.
Bolsonaro jogou a sua força política e o peso da Presidência da República na defesa de mudança. Tecnicamente, não há como provar fraudes, e o presidente chamou um assessor, o coronel da reserva Eduardo Ramos, para mostrar dúvidas e fatos conhecidos e já analisados publicamente. São imagens antigas e descartadas como indícios ou provas de fraude. Há uma indústria de desconfiança na internet que acaba se nutrindo de acessos e cliques. Mas o presidente está certo ao reforçar a desconfiança. O processo eleitoral é como a famosa mulher de César, tem que ser honesta e parecer honesta. A eleição é assim: tem que convencer o vencedor e o derrotado. No Brasil, ficou invertido. A votação convenceu o derrotado e não foi aceita pelo vencedor.
Nas falas do presidente, as críticas maiores (e não levadas em conta) vão no sentido de questionar a Justiça Eleitoral. É preciso discutir mesmo se é preciso uma Justiça Eleitoral que custa R$ 10 bilhões. O estranho é que os investimentos maiores não estão no sistema ou em tecnologia. O ralo aberto é o de gastos. Impossível não se assustar com o dado de que 64% das verbas do TSE vão para salários diretos. É muito. Os gastos para manutenção dos ministros, assessores e diretores, além dos salários, dominam o orçamento. Sobra pouco, ou quase nada, para investimentos, ou seja, melhoria da qualidade técnica da votação. São 15,5 mil funcionários e uma sede que, de tão grande e luxuosa, humilha o Palácio do Planalto, Congresso e outras instituições importantes em Brasília. A Constituição abriga feudos. Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça Eleitoral deveriam ser substituídas simplesmente pela Justiça.
A fala do presidente, diretamente da biblioteca do Palácio da Alvorada, com críticas pesadas ao processo eleitoral não pode ficar em vão. É preciso mesmo mudar o sistema. Já não convence a todos, e a desconfiança pode ser um caminho livre para dificuldades futuras em aceitar resultados (negativos ou positivos). Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro, ao entrar tão forte no processo, vinculou-se à bandeira. Uma derrota agora significa a derrota do presidente. Ele levou o assunto para o terceiro andar do Palácio. Será um bom teste para o novo governo, agora comandado politicamente pelo Centrão no Congresso. O voto nunca será auditável, por ser secreto. Impossível saber como votou cada eleitor. Se aprovada a emenda, a votação volta, sim, ao papel, que será manuseado por escrutinadores em sessões eleitorais distribuídas pelos quatro cantos. Mas é inevitável o debate, e este é o “espírito do tempo”.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.