Bolsonaro é irritantemente coerente até nos erros e vacilos, mas foi eleito assim

Não faltam manchetes estridentes para a fala de um presidente da República num só dia

  • Por José Maria Trindade
  • 11/11/2020 08h46
Carolina Antunes/PR Presidente Jair Bolsonaro Nesta terça-feira, Bolsonaro disse que Brasil tem que ‘deixar de ser país de maricas’ no combate à Covid-19

Num único dia, o presidente Jair Bolsonaro comemorou a suspensão da pesquisa da vacina contra o novo coronavírus, ameaçou declarar guerra contra os Estados Unidos, minimizou as mais de 160 mil mortes de brasileiros em decorrência da pandemia, apontou para os jornalistas como “urubuzada”, disse que vivemos num país de maricas, alertou que todos os que estavam ao seu redor iriam morrer e desafiou o povo brasileiro a enfrentar de peito aberto a possibilidade de morte, encarando o vírus que matou mais de um milhão de pessoas no mundo e já contabiliza mais de 30 milhões de casos em 188 países. Não faltam manchetes estridentes para a fala de um presidente da República num só dia. O presidente Jair Bolsonaro é irritantemente coerente até nos erros e vacilos, mas foi eleito assim. Este é o discurso de campanha, cortante como faca. 

São palavras, gestos e posicionamento que chocam por partir de um presidente da República, mas esta é a fala do povo. Ninguém sabe se haverá limites para este discurso, mas o certo é que o presidente definiu claramente pontos importantes do seu governo. Sobre a pandemia, desde o início enfrentou até integrantes da sua equipe para dizer que fechar o país seria errado e “mataria mais do que o próprio vírus”. Chegou a falar: “Tem medo de que?! Enfrenta o vírus como homem”. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, saiu do governo na disputa pelo trancamento geral. Perdeu. Do presidente Jair Bolsonaro e da realidade. O povo decretou o fim  da quarentena, mas os números de infectados e mesmo vítimas fatais continuam mais ou menos no mesmo patamar. A economia é que desabou, conforme alertou o presidente. Não fossem as ações caras, que custaram mais de R$ 700 bilhões, a situação estaria ainda mais crítica. 

Por outro lado, a frase dita pelo presidente de que quando a diplomacia se esgota, a pólvora fala, mostra que um país não pode deixar os adversários tranquilos de que nunca haverá revide. Foi a segunda vez que o presidente se expressou com uma avaliação militar. Na primeira referência, o presidente se referia às negociações com a Venezuela. Não é exatamente uma ameaça de decretação de guerra. A fala do presidente tem como base a campanha e o seu princípio de “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Não é normal também que um candidato à presidência de um país ameace intervir na gestão das florestas de um aliado. Mesmo se este país for o aliado histórico, o poderoso Estados Unidos.

A comemoração do presidente com a suspensão dos testes da vacina foi um erro de avaliação, mas o debate do presidente é sobre a obrigatoriedade da vacina, defendida por setores importantes do governo de São Paulo.  O presidente desconfia da vacina em teste que tem o Butantan como parceiro. O presidente faz alerta de que é preciso muito cuidado antes de decidir por uma vacina e perigoso demais falar em vacina obrigatória. O assunto já está judicializado e o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski já notificou a Anvisa para explicar os motivos da suspensão do teste. Voluntários marcados para a vacinação já foram dispensados à espera da autorização de retomada dos testes. Neste processo, o governo sustenta que só o governo federal pode regulamentar a vacinação em massa, quando o produto for finalizado. Se houver esta definição, a CoronaVac vai sobrar e deve ser isolada pelo Ministério da Saúde. O efeito colateral da rejeição é que o governo chinês, de longe, monitora a situação. Trata-se do nosso principal parceiro comercial, o segundo é a América.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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