Breve história dos partidos brasileiros e onde eles chegaram nestas eleições municipais

O PT já chegou a administrar 411 municípios em 2004, pulando para 630 municípios em 2012 e agora elegeu apenas 183 prefeitos

  • Por José Maria Trindade
  • 01/12/2020 11h53 - Atualizado em 01/12/2020 12h54
José Cruz/Agência Brasil Fachada do TSE Segundo o TSE, estão registrados 33 partidos políticos; outros 77 estão a caminho, aguardando autorização para funcionar

Era uma vez um país sem partidos políticos. O regime entendia que eles atrapalhavam a administração e os interesses da nação. Houve uma divisão no governo depois de um dos comandantes do sistema, o famoso AI-5, perder força. A ordem foi abrir para os partidos, mas desde que fossem registrados, com normas rígidas e obedecendo critérios e programas partidários. Entre as regras estava o ordenamento da sigla. Tinha que ter um P.  Ninguém sabe o motivo desta exigência, mas era pegar ou largar. Os movimentos pegaram. Nasceram as primeiras famílias partidárias, todas com P. As siglas de antes tiveram que passar por uma reformulação. Este país é o Brasil e este é o início da história recente do bipartidarismo que pode chegar a polipartidarismo ou a multiplicação das siglas ou pulverização da política. 

ARENA era o poder. O presidente do partido, Francelino Pereira, um piauiense que se deu tão bem em Minas Gerais que virou governador biônico do Estado, se gabava: “O maior partido do Ocidente”. E era, mesmo por falta de opção e de concorrência. O governo do presidente Ernesto Geisel decidiu fazer uma abertura e foi logo colocado em dúvida. “Que país é este que as pessoas não confiam na vontade política do presidente?”, questionou o velho França, como era chamado.  Não foi tão simples assim. Logo depois desta frase veio o Pacote de Abril. Este arrocho decretou que o povo não sabia votar e os governadores seriam indicados. A oposição crescia. O bipartidarismo imperou por 12 longos anos. Eram dois partidos, o ARENA, Aliança Renovadora Nacional e o MDB, Movimento Democrático Nacional. Com a linguagem do P nos partidos, a reforma teve que ser feita e o ARENA virou PDS e o MDB ganhou o P e se transformou em PMDB. 

Os dois conviveram às turras. O PMDB era o partido do “sim” e o PDS era o partido do “sim, senhor”.  Foi quando houve a grande ideia de acabar com o bipartidarismo. O Congresso aprovou a reforma e criou a Lei Orgânica dos Partidos. O objetivo era dividir a oposição. Houve mesmo uma grande divisão, mas a esquerda apareceu aparelhada pelos novos partidos e se multiplicou. Foi recriado o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro. Surgiu a novidade na vida política, foi criado o partido dos operários, com o nome de PT, Partido dos Trabalhadores. Lula reuniu artistas, setores da intelectualidade para escrever o programa, inventaram a estrela vermelha e infernizaram a vida de Leonel Brizola, que de volta ao Brasil sonhava em liderar os trabalhadores com o partido trabalhista. Encontrou Lula pela frente, que ele chamou de “sapo barbudo”. Foi quando teve que engolir o PT, apoiando o partido. “Vou ter que engolir um sapo, barbudo”, disse Brizola ao ser obrigado a apoiar Lula no segundo turno. Brizola era o pleno e potenciário no PDT e comandou com uma centralização exagerada que marca até hoje as práticas do Partido Democrata Trabalhista. 

Como nas novelas, vamos adiantar o tempo. Mais de 40 anos depois, o quadro mudou um pouco. Agora são 35 partidos aptos a praticarem a política. Cada um tem o seu dono. As instâncias partidárias que tanto preocupavam os militares no poder se transformaram em lojinhas prontas para o faturamento. São siglas para todos os sabores. No Tribunal Superior Eleitoral estão registrados 33 partidos políticos. Outros 77 estão a caminho, aguardando autorização para funcionar. Neste cenário o presidente Jair Bolsonaro quer criar mais um, o Aliança pelo Brasil que ainda não tem as assinaturas necessárias para criação. 

Nas eleições municipais, os partidos em destaque mostram que a tendência de centro está imperando. Mas são partidos parecidos. Vamos às histórias de cada um. O MDB vai administrar o maior número de municípios, 784 prefeitos. Este é o velho MDB, que virou PMDB por exigência da lei e recentemente tirou o P. O segundo maior partido é o PP. São 685 prefeituras geridas pela sigla que, voltando lá atrás, era Arena, que virou PDS, tentou se livrar da liderança forte de Paulo Maluf e se transformou em PPR, com a fusão com o PDC. Se fundiu novamente, com o PP e virou PPB e mudou mais uma vez de nome. O PP agora é o segundo maior partido do país. Ou seja, o velho MDB e a ARENA voltaram a comandar, só que agora estão do mesmo lado, contra a esquerda que acabou se formando. 

O terceiro partido em número de prefeituras é o PSD. O Partido Social Democrático é novo. Foi criado por nomes antigos da política. Não tem nada do PSD antigo, criado em 1945 e extinto pelos militares no AI-2, O Ato Institucional Número 2. Liderado ou comandado por Gilberto Kassab nasceu com fama de não ser de centro, nem de direita e muito menos de esquerda e “não solta as tiras”, brincadeira da época, lembrando o comercial de chinelos que não tem cheiro e nem solta as tiras. Este partido estreou nas urnas em 2012 e foi criado para apoiar o governo Lula. Uma fuga da oposição que arrastou parlamentares do DEM, do PP e do PSDB. Pois agora, depois de duas eleições, vai administrar 654 municípios e não quer nem saber de PT ou esquerda. 

O quarto partido é o PSDB. Só foi criado depois do processo constituinte, e o idealizador, o então senador Mário Covas, dividiu o PMDB. O grupo já atuava no chamado MUP, Movimento Unidade Progressista. Foi um fiasco na tentativa de eleger Mário Covas à Presidência da República, mas depois elegeu o senador Fernando Henrique como presidente e ganhou estados importantes se fixando em São Paulo, onde ainda comanda e dominou por um tempo Minas Gerais, Ceará, Paraná e administrou fatias importantes, gerando um legado que é herdado até hoje.  O PSDB administra o maior número de eleitores, mas com 520 prefeituras, fica em quarto lugar entre os partidos. 

O DEM é o quinto partido em número de prefeituras. Ganhou com 464 prefeitos. A história deste partido é de divisão. José Sarney entrou em disputa com Paulo Maluf e decidiu apoiar Tancredo Neves na guerra das diretas, e pelo colégio eleitoral, deixou o PDS e criou a Frente Liberal para em seguida ser o Partido da Frente Liberal. O PFL funcionou forte e teve papel importante no Congresso até se transformar em DEM, um movimento dos jovens do partido, todos filhos de velhos caciques. ACM Neto, Rodrigo Maia, Paulo Bornhausen e o Mendoncinha. O partido quase foi extinto até a virada mágica. Assumiu as presidências da Câmara e do Senado e emplacou quatro ministros na Esplanada. O DEM se revigorou e depois de quase ser absorvido pelo PSDB, agora ganha vida própria e importância. 

O PL é o sexto nos municípios e vai administrar 345 cidades. Este é o partido de Álvaro Vale. Foi criado quando, se falava em liberalismo, era quase como brigar com deus. Valdemar da Costa Neto tomou conta do partido, fez a sigla crescer, se tornou importante no Congresso e caiu no mensalão. Até hoje tem nas mãos o controle remoto. O  ex-deputado Valdemar fez o partido mudar de nome para PR e depois voltou para o velho PL. Só em sétimo lugar aparece um partido de esquerda, o PDT com 314 prefeituras em todo país. Este não mudou de nome. Lembrai-vos do Leonel Brizola. O oitavo colocado é o Republicanos, com 211 prefeitos eleitos. A história passa pelo vice-presidente José de Alencar. Saiu do PL para fundar o PMR, Partido Municipalista Renovador. Passou para PRB, foi dominado pela Igreja Universal, que lançou uma proposta audaciosa: usar a força do púlpito e eleger pelo menos um deputado em cada estado. Hoje, o partido domina 30 dos 513 deputados com organização vertical. Quem manda, define, e os deputados obedecem. Uma força comparável ao PT. Só agora, em nono lugar, entra o PT, que já foi rei e figurou nos primeiros lugares. Sem nenhuma prefeitura de capital se transformou literalmente em partido dos grotões. O PT já chegou a administrar 411 municípios em 2004, pulando para 630 municípios em 2012 e agora elegeu 183 prefeitos. O partido ainda tem força e elegeu a maior bancada desta legislatura na Câmara dos Deputados. 

O último partido que merece ser citado aqui é o Cidadania. Décimo partido com 139 prefeitos. O berço é o Partidão. O Partido Comunista do Brasil. Por se transformar em “reformista”, foi abandonado pelos mais radicais, que fundaram o PCdoB. O PCB mudou o nome para PPS, Partido Popular Socialista, mas já não cabia no nome e muito menos no socialismo. O partido é um segmento do fim dos modelos comunistas e de revisão. Depois de tentativas de fusão com o PMN, PSB e até com o Rede Sustentabilidade, finalmente em 2019 a nova estratégia foi tirar as referências ao comunismo ou socialismo da sigla. Foi assim que ficou registrado no TSE o novo nome, o PPS virou Cidadania. 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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