Decisão do STF enterra de vez a ideia de reeleição, mas o desenvolvimento do debate assusta
Um mandato longo demais acaba levando o gestor a confundir o orçamento que administra com o próprio
No momento em que o mundo político discute a reeleição como princípio, os presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, tentaram o surrado golpe do “se colar, colou”. Não colou, mas bateu na trave. Durante o processo constituinte, uma das grandes disputas foi o tamanho do mandato do então presidente José Sarney. Pela Constituição em vigor era de seis anos. Os deputados e senadores decidiram que a partir da nova constituição os presidentes passariam a ter quatro anos, sem reeleição. Foi um debate forte e o tema decidido no voto. Sarney trabalhou duro para tentar manter os 6 anos, mas o seu mandato ficou em 5 anos. Ele perdeu um ano, mas ficou a impressão de que ele trabalhou para aumentar o próprio mandato. As mensagens nunca são reais. As interpretações acabam falando mais alto, e para todos os efeitos, Sarney brigava para aumentar o mandato e ganhou um ano quando, na verdade, cedeu um ano para não sair com quatro anos, como ficou o texto constitucional.
Depois de pegar carona no Plano Real, lançado pelo presidente Itamar Franco, o então senador Fernando Henrique Cardoso foi eleito e achou o mandato curto demais. Logo no início do governo ele descartava a possibilidade de reeleição. A emenda foi apresentada pelo deputado Mendonça Filho, que era do PFL. O assunto progrediu e o projeto foi aprovado com articulação tão forte que acabou em denúncia de compra de votos e cassação de mandato na Câmara. Virou tradição no Executivo. Hoje, o mandato é entendido como se fosse de oito anos. No meio deste espaço, o governante passa por outro teste de urnas. Mais ou menos assim. Não se candidatar à reeleição é encurtar o mandato e provocar disputas internas pela sucessão, ou seja, prefeitos, governadores e presidente são praticamente empurrados para a reeleição. É o caso do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que é contra o princípio da reeleição, mas trabalhou duro em dois turnos para ganhar mais quatro anos que considero como vencer a continuidade do mandato.
O instituto da reeleição está sendo questionado. O ex-deputado autor da emenda, Mendonça Filho ainda defende o princípio. Tucanos que trabalharam para criar o sistema hoje falam abertamente que atrapalha. No Congresso, o debate é para aumentar o tempo do mandato, para cinco ou seis anos, sem reeleição. Por princípio, acho que reeleição atrapalha. Sou contra reeleição até para síndico de prédio. Um mandato longo demais acaba levando o gestor a confundir o orçamento que administra com o próprio. Eu costumo dizer que onde há poder, há disputa. Esta é a força.
No Congresso, a reeleição na Câmara e Senado sempre foi discutida. O texto da Constituição é claro, “veda” a reeleição. O ex-deputado João Paulo Cunha era o presidente da Câmara e tentou mudar a Constituição. Foi um esforço político que envolveu o então todo poderoso ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu. O presidente do Senado que fez o trabalho maior de bastidores era José Sarney. Eles não tiveram a coragem de usar o apoio majoritário para atropelar o pacto constitucional. Lutaram por uma emenda. Perderam por pouco, faltaram cinco votos na Câmara e por isso não foi ao Senado, onde certamente seria aprovada. Foi uma articulação dos maiores partidos. A dupla José Sarney e João Paulo Cunha tentava a reeleição e pelo menos sabiam do veto constitucional. O esforço chegou a 303 votos e seriam necessários 308 votos. O assunto foi esquecido e ficou a lição de que, para aprovar uma emenda constitucional, é preciso um entendimento geral, um acordo muito forte e foi essa a intenção do constituinte, dificultar mudanças na Carta.
A derrota de uma emenda ou projeto é uma decisão parlamentar. A não mudança representa uma determinação legal de manter o texto em vigor. Os ministros do Supremo não levaram esta situação no debate. O julgamento nem deveria ser levado ao plenário, mas assusta que quatro ministros seguiram o relator, ministro Gilmar Mendes, para permitir a reeleição contra o texto constitucional. O ministro Nunes Marques ficou no meio do caminho e votou pela reeleição de Davi Alcolumbre e contra a tentativa do deputado Rodrigo Maia para o quarto mandato. A decisão do plenário virtual do Supremo por sete votos a quatro enterra de vez esta ideia de reeleição, mas assusta o desenvolvimento deste debate. A pergunta é até onde estão dispostos alguns ministros do Supremo para fazer a Constituição andar segundo as ganâncias e disputas políticas. “Um perigo para o pacto constitucional”, segundo escreveu no seu voto a ministra Rosa Weber. A ministra escreve: “A deslealdade ao texto constitucional caracteriza preocupante ofensa ao pacto da sociedade brasileira em torno do propósito de conferir força ativa aos compromissos assumidos ao plano constitucional”. Nesta linguagem jurídica, a ministra quer dizer mais ou menos assim: “Nós temos que ter vergonha na cara”.
No plano político, a decisão do Supremo foi uma meia vitória para o governo. O presidente Jair Bolsonaro saiu em campo para defender a reeleição de Davi Alcolumbre, uma invenção do então ministro-chefe da Casa Civil, hoje ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Só que o presidente não quer nem ouvir falar na reeleição do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. O exato voto vencido do ministro Nunes Marques. Agora a disputa vai para a sucessão. Rodrigo Maia quer vencer com um candidato que promete independência e o governo quer um aliado. No Senado, a temporada de candidaturas está aberta.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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