História do lobby no Brasil está presente até em jogo de futebol e passeio com cachorro

Governo tenta regulamentar uma atividade tão antiga quanto a gestão pública; a pressão de grupos empresariais e sociais é normal, mas orbita por área cinzenta e motiva encontros ‘causais’ em Brasília

  • Por José Maria Trindade
  • 17/06/2021 13h45 - Atualizado em 17/06/2021 14h18
Sergio Dutti/Estadão Conteúdo - 04/2010 De calça de ginástica até o joelho, camiseta branca, boné e óculos escuros, Dilma Rousseff faz caminhada com Nego, seu cachorro labrador Caminhadas de Dilma Rousseff com seu cachorro, na época em que ela chefiava a Casa Civil, despertou a atenção de lobistas

O lobby virou um palavrão. O debate sobre a legalização do trabalho de informação aos dirigentes, sobre empresas e setores, já foi alvo de debates, discussões e, agora, invade uma disputa de poder. O governo decidiu entrar no processo e quer tirar a atividade do subterrâneo das ações políticas e proteger gestores, poder público e profissionais da influência política. O ministro da Controladoria Geral da União, Wagner Rosário, concluiu o projeto para regulamentar o lobby. Depois de avaliado por setores técnicos do governo, será enviado ao Congresso. Houve consulta e já existem projetos em andamento na Câmara e no Senado. O assunto interessa a governo e oposição. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) é um dos defensores da regulamentação e apresentou projeto em 2007. O projeto relatado pela ex-deputada Cristiana Brasil chegou a ser aprovado na fase de comissões da Câmara. A novidade agora é a tentativa de acordo para dar luz a uma atividade que já existe e é reconhecida no mundo inteiro, inclusive pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Os conceitos da OCDE foram incluídos na proposta de lei.

O presidente norte-americano Ulysses Grant, lá em 1864, costumava atravessar a rua e sair da Casa Branca para um happy hour no Hotel Willard. Um bom conhaque, alguns charutos e muita conversa no lobby, onde havia um bar. Nestas conversas com hóspedes e visitantes, eram feitos pedidos de pontes, disputas de terras e assuntos envolvendo o governo. A palavra era solta e acontecia livremente no lobby do hotel, e muitos começaram a se hospedar lá ou simplesmente frequentar o local. Fazer “lobby”. Quase cem anos depois o costume de se aproximar do presidente e de governadores continua. Hoje, alguns estão comprando motos, fazendo cursos intensivos de como andar de motocicleta e tentando seguir o presidente Jair Bolsonaro. Soube de um futebol de final de semana, frequentado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Tofolli, que começou a ser disputado por pernas de pau que nunca tinham visto uma bola. Todos de uniformes novinhos em folha, equipamentos de primeira qualidade, mas visivelmente mal empregados. O ministro desconfiou e parou de frequentar o campo, que antes era de amigos sem interesses no Supremo.

Um caso famoso aqui é do ex-senador e agora preso Gim Argello. Sabendo que a ex-presidente Dilma, quando era ministra, passeava pela Península dos Ministros (área nobre de Brasília) com o seu cachorro labrador, comprou um exemplar parecido e obrigava o empregado a ficar de olho. Quando a então ministra, aparecia, era avisado. Aí ele saía de casa e “coincidentemente” se encontrava com a vizinha para passear com o pet. Os dois iram pela orla do Lago Paranoá. Isto antes da Dilma adotar a bicicleta. Deu certo, os dois se deram muito bem e Gim Argello acabou líder do governo e com trânsito fácil no Palácio. Outra tática manjada por aqui é frequentar restaurantes. O Piantella se transformou em ponto de políticos e, obrigatoriamente, de lobistas e jornalistas. Os profissionais ficaram mais gordos e mais bêbados, mas não saiam enquanto o último poderoso não se levantava. A fila de carros pretos com placas de bronze era grande na porta do restaurante, que já fechou as portas.

Há também o lobby tipo aposta. Um político é identificado como de alta possibilidade de progresso e, mesmo quando está numa posição de “baixo clero”, é paparicado para quando for um poderoso na República. Ao tomar posse como governador de Minas, Aécio Neves chegou no Palácio da Liberdade e, ao entrar, viu o empresário e empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, no saguão e o cumprimentou:

  • Olá, Léo! Você por aqui?!
  • Sim! Quem está chegando é o senhor, governador. Eu estou sempre por aqui.

Houve a identificação clara de poder futuro quando Aécio foi eleito como constituinte, seu primeiro mandato como deputado federal, em 1986. O talento para a política e a origem dele mostraram claramente que ele seria um dos poderosos no futuro. Sempre foi paparicado por saberem os lobistas que seria um investimento seguro. 

A proposta agora é de regulamentar esta aproximação. “Até no restaurante, o ministro ou o secretário, um servidor público, pode ser abordado para defesa de interesses. Se ele aceitar a conversa, terá que comunicar oficialmente em 72 horas de prazo para incluir na agenda”, define o ministro Wagner Rosário. O projeto, que tem o conhecimento de setores do Congresso, como o deputado e líder do governo, Ricardo Barros, e o deputado Carlos Zarattini, toma cuidados especiais para a agenda. Os registros devem ser obrigatórios, com nomes, cargos, assuntos abordados e tempo de duração. Toda reunião de agente público deve ser registrada. Há dificuldades sobre reuniões de ministros com ministros e de ministros com o presidente da República. O conceito é de que se for um caso de reunião para discutir assuntos sigilosos ou de interesse, não haverá registro obrigatório. É que, para a agenda, o registro do assunto é obrigatório. O ministro Wagner Rosário chegou a avaliar a formação da agenda de forma democrática, com pedidos abertos pela internet. Desistiu diante da possibilidade de demanda gigante. Deixou a cargo do servidor público definir os encontros. 

Um dos pontos mais polêmicos desta discussão regulamenta a figura do lobista. Pelo projeto, será qualquer um. Sem registro, sem crachá e sem exigência. A empresa, associação ou grupo de interesse é que decide quem contrata ou quem será o representante. Há uma demanda da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abric). O entendimento é de que exigir registro seria criar uma nova OAB, que cobraria por inscrição, com o controle da profissão de lobista. O que a lei vai definir é a transparência. A consulta poderá ser feita livremente, e rapidamente vai identificar quem é o lobista de cada grupo de pressão, de empresa ou de instituição. Basta ver a lista de agendas de cada ministro, secretario ou integrante do Congresso. “O ministro tem que saber que, se for a um compromisso pessoal e por lá tratar de assuntos governamentais, estará sujeito a uma delação premiada no futuro”, argumenta Wagner Rosário. 

O interessante é que a lei não vai incluir advogados nesta condição de lobista. Visitas a juízes e ministros não serão proibidas, mas também não consideradas como lobby. Fora, portanto, destas regulamentações, as reuniões de interesse da administração pública ou judiciais. Outro lembrete é que será um lei federal, valendo para a gestão pública em geral. Os prefeitos e secretários estaduais e municipais terão que seguir os conceitos e registrar agenda por agenda, sujeitos a multas e punições que chegam a demissão do servidor público. Trata-se mesmo de uma mudança de conceito. 

Em 1984, o então senador Marco Maciel apresentou o projeto para regulamentar o lobby. Influente na política, Maciel foi vice-presidente da República e morreu recentemente. Setores do Congresso querem, inclusive, fazer uma homenagem a ele com a aprovação. Na minha experiência, o projeto não anda porque este é um espaço já ocupado institucionalmente. Os ex-deputados e ex-senadores e até ex-ministros fazem este papel e ganham muito dinheiro por isso. Os ex-políticos são vistos no plenário como “almas penadas” que sentem saudades do tempo de poder. Que nada! Estão é trabalhando e ganhando como nunca. Só eles têm acesso total aos ex-colegas parlamentares e aos gabinetes de secretários e ministros, geralmente amigos ou ex-colegas de bancada. O certo é que, regulamentado ou não, o lobby corre solto, e o futuro irá se o profissional deve comprar uma moto, uma cachacinha, uma vaga no futebol de final de semana ou a famosa mala preta.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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