Quem é o Centrão, que sempre dominou o poder desde a época de José Sarney
Bolsonaro tem sofrido os primeiros sintomas dos efeitos colaterais do apoio deste grupo que pede para demitir ministros e depois domina a máquina pública
O presidente Jair Bolsonaro sofre os primeiros sintomas dos efeitos colaterais do apoio do Centrão. Este tipo de sintoma é frequente para os presidentes e os efeitos aparecem em cadeia. Primeiro, pressão para demitir ministros, depois, a nomeação de integrantes do governo, até o domínio total da máquina. Quando o morador do Palácio se descobre dominado, já é tarde, e o tratamento, que deveria ser precoce, já não mais faz efeito. Apesar de ser um processo político antigo, ainda não houve comprovação de uma prevenção. O Congresso tem caminhos que o Executivo jamais vai percorrer. O presidente Jair Bolsonaro se cuidou, evitou a contaminação, mas chegou ao ponto em que sussurraram nos ouvidos presidenciais que sem o Centrão, ele se aproximava perigosamente do impeachment ou, no mínimo, da estagnação do governo. Foi quando o presidente piscou primeiro neste faroeste caboclo à brasileira.
O Centrão é como um aplicativo de transporte. Cumpre o que promete e leva o presidente de um lado para o ponto contratado e pronto. Cumpre mesmo, à risca, mas cobra. O não pagamento da fatura significa, no primeiro momento, a interrupção da prestação do serviço, no segundo passo, resistência, por último, um bloco de oposição é formado com partidos radicais do contra e fica formada a nova maioria, isolando os governistas de origem ou de crença. Começa por aí o famoso caminho para o brejo e para dificuldades no domínio da opinião pública e projetos importantes. Este é um caminho que pode mudar, mas demanda ações diferentes das adotadas até agora. O importante é não abrir precedentes. O histórico é longo. Cheguei aqui na reabertura democrática. Assisti de perto, na cobertura diária do Palácio do Planalto, a luta do ex-presidente José Sarney com este grupo que na época “morava” no PMDB. Foi um massacre político. Da cadeira de presidente da Câmara, como presidente também da Constituinte, presidente do PMDB e vice-presidente na linha de substituição, Ulysses Guimarães mandava no governo. Sarney não nomeava nada sem consultar os líderes do partido. Teve que suar para perder apenas um ano de mandato, a ideia era de que Sarney queria seis anos, mas ele foi eleito para os seis anos e negociou para cinco, mas Ulysses queria quatro. O presidencialismo, e não o parlamentarismo, talvez tenha sido a grande vitória de Sarney na constituinte.
Depois desta abertura do governo Sarney aos líderes da ribalta política, o movimento continuou. O Centrão foi formado durante a Assembleia Nacional Constituinte para frear o ímpeto da esquerda, que estava dominando o processo constitucional, mas a força continuou. Foi institucionalizado com a fala em plenário do líder do governo, deputado Roberto Cardoso Alves: “Vamos votar com o governo neste tema, como diz a oração de São Francisco, é dando que se recebe”. Ganhou a votação e mais sócios do governo. O ex-presidente Fernando Collor se considera um caso clássico de derrotado pelo grupo e hoje faz parte dele, como membro destacado e indicado para a Esplanada. Collor chegou ao Palácio e se distanciou do Congresso na esperança de se garantir no apoio das ruas, os “descamisados”. O clima mudou e o Congresso colocou no lugar dele o vice Itamar Franco, que em vez do Centrão, levou o parlamento inteiro para o governo e criou responsabilidades para os partidos. Foi o primeiro governo do chamado parlamentarismo branco. Gerou a eleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lutou como pode, mas cedeu aos ‘gedéis’, ‘padilhas’ e centristas que se multiplicaram. Negociou com partidos, grupos e as bancadas de pressão, que floresceram no Congresso como nova fonte de poder. Apareceu pela primeira vez a bancada evangélica, que hoje tem até partido político com mais de 31 deputados.
O presidente Michel Temer escancarou. No governo do PT, logo no início, o então presidente Lula foi alertado pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu que era preciso negociar ou perderia todas no Congresso e correria o risco sério de impeachment. Deu no que deu, loteamento absurdo e o resultado foi o Mensalão e a Lava Jato. No Mensalão houve uma novidade, em vez de distribuir os cargos para os partidos faturarem (doação de campanha) a central decidiu faturar e distribuir dinheiro vivo. Foi formada a maior base que se tem notícia. O governo ganhava todas e passou uma reforma da Previdência difícil de ser discutida e votada. O dinheiro corria solto e o sistema só foi implodido porque simplesmente acabou com a força dos partidos. Pisou em calos grossos e grandes no Congresso. O presidente Michel Temer escancarou. Era o Centrão no poder. Sem intermediários. Veio o presidente Jair Bolsonaro em guerra contra este poder paralelo e permanente. Foi alertado que estava perigosamente flertando com o caos e com o impeachment. Aceitou fazer o seguro contra o afastamento e o processo está em andamento. O Centrão entrega sim o que promete, só que cobra.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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