O eleitor não se vê nos seus representantes

Apesar de 82% dos brasileiros defenderem representações de negros, índios e mulheres, os votos não aparecem nas urnas

  • Por José Maria Trindade
  • 20/11/2020 08h33
Cleia Viana/Câmara dos Deputados Texto que abre espaço no Orçamento para auxílio emergencial será promulgado nesta segunda-feira Congresso Nacional, em Brasília

Os brasileiros querem se ver nos parlamentos. Uma pesquisa mostra que 82% dos eleitores querem as chamadas políticas afirmativas ou discriminação positiva. As cotas para negros, indígenas e estudantes de escolas públicas já existem e pouco mais de metade da população reconhece. As reservas de vagas para concursos públicos e ingresso em universidades são polêmicas no mundo inteiro. Há defesas apaixonadas de todos os lados, inclusive de negros e indígenas que não querem passar a mensagem de que só progrediram por acesso a regras especiais e injustas com os outros. Ninguém duvida da disparidade entre raças e origem. O grande debate está em como retomar o equilíbrio.

Os mesmos 82% que defendem as candidaturas dos negros, indígenas e mulheres não votam por categoria. A prova disso é a representação política. Na Câmara dos Deputados, 24% dos 513 deputados são negros. O ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski, decidiu que o tempo de propaganda, além da verba em 30% devem ser disponibilizados para os candidatos negros. Uma demonstração de que a exigência de composição da chapa com 30% também para mulheres não significa resultado eleitoral. Mas é o caminho – a representação de todos os setores vem aumentando.

Olhando os deputados e senadores com cuidado e com a intimidade de anos de convivência podemos notar a representatividade não por raça, cor ou sexo, mas por grupos sociais. São comunidades que convivem como espelho da própria sociedade. Fica clara a representação por grupos ligados ao comando da agropecuária, poucos representantes da agricultura familiar, maioria expressiva de advogados e grande número de médicos. A explicação rasa é de que são profissões que falam direto com o eleitor. Os jornalistas existem, mas são minoria. Os ladrões e representantes do crime organizado também batem ponto no plenário, embora não assumam publicamente as representações, como também não assumem as bancadas dos bancos, do armamento, cigarros, montadoras, seguros, sindicatos, policiais e representantes de si mesmo, do ego.

Não dá para dizer que o Congresso é a justa representação da sociedade por um detalhe esquecido, a mentira. Ao eleitor é apresentado um quadro e personagens que, na realidade, não existe. O prato feito é embrulhado como produto de supermercado e frauda a representação política. Este é o biombo que separa as representações do Congresso. Portanto, o mesmo eleitor que torce por uma melhor representação na política, não se vê nos seus representantes por dificuldade de entender as candidaturas. Se as premissas apresentadas na campanha são falsas, a conclusão tende a ser equivocada. O processo é viciado e se espelha na força com que o Centrão partiu para as eleições municipais. O grupo elegeu prefeitos e vereadores em todo País. Um sinal claro de que estas raízes agora sustentarão uma boa bancada no Congresso em 2022. Este é o poder, já que quem domina o Congresso domina o coração do poder e o próximo presidente da República terá necessariamente que negociar com os líderes do oportunismo.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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