Processo de filiação do presidente Bolsonaro volta à estaca zero

Valdemar da Costa Neto deu passos largos para atrair o presidente, abriu os braços e o partido, mas São Paulo é a dificuldade; o presidente não quer abrir mão do Estado

  • Por José Maria Trindade
  • 16/11/2021 14h23 - Atualizado em 16/11/2021 16h21
WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Presidente da república, Jair Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto Cerimônia de filiação de Bolsonaro ao PL estava confirmada para o dia 22, mas foi adiada, sem data certa para acontecer

A filiação do presidente Jair Bolsonaro a um partido político entre os 33 devidamente registrados no TSE não é um ato tão simples assim. É mais ou menos como estacionar um transatlântico num porto tomado de barcos pequenos e grandes em mar minado. A ancoragem é complicada. Não é só o presidente que chega na sigla. Um pacote é apresentado. Os filhos do presidente e pelo menos 34 deputados vão seguir o mesmo caminho e o trânsito partidário fica engarrafado. Há divergências regionais onde os chefes locais da sigla escolhida reagem. “Esse pessoal é nosso adversário por aqui”, foram as mensagens recebidas pelos dirigentes do PP para reduzir o ímpeto com que a aproximação era articulada. O presidente do PP, ministro Ciro Nogueira, chegou a dizer a aliados que foi até onde pôde para levar o presidente e um grupo político para a filiação, mas que não daria mais um passo. Aí, entrou o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, que deu passos largos para atrair o presidente. Abriu os braços e o partido, mas São Paulo é a dificuldade. O presidente Jair Bolsonaro não abriu mão do Estado. “Não posso ficar distante da política no estado mais populosos do Brasil. São 46 milhões de habitantes”, argumentou o presidente na conversa dura com Valdemar. Só a região metropolitana está com mais de 22 milhões de moradores. Para se ter uma ideia, Portugal tem 10 milhões de habitantes. 

A data de filiação do presidente no PL estava marcada, mas já está cancelada. É a segunda vez que o partido é abandonado no altar. Na eleição de 2018 estava tudo certo para a filiação, mas o candidato fez uma viagem ao Rio Grande do Sul e voltou comprometido com o PSL, que deu até as chaves do cofre, mas marcou data para o casamento de conveniência. Eleito o presidente e a segunda maior bancada na Câmara, o deputado Luciano Bivar cobrou a retomada da sigla. “Era o combinado”, segundo o presidente do PSL, ao pedir o despejo do presidente e do grupo de aliados incondicionais. A passagem de Jair Bolsonaro pelo PSL criou um fantasma, um partido que não existe na prática, uma miragem. Se transformou na maior bancada da Câmara, influente representação que preside três comissões permanentes, inclusive a toda poderosa Comissão de Constituição e Justiça, leva a fatia maior do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral e nem sabe o que fazer com os milhões de reais, mas não tem futuro. Sabendo deste caminho certo para o ostracismo, o deputado eleito pela força do presidente Jair Bolsonaro e que assumiu a primeira secretaria da Câmara, Luciano Bivar, fez uma fusão duvidosa, com outra miragem, o DEM. Muitos poderosos e poucos votos é a marca do novo partido que vai se chamar União Brasil. 

Aliados do presidente Jair Bolsonaro são importantes nesta decisão e também têm as suas próprias preferências. Deputados me dizem que o melhor caminho é o PP. Há problemas regionais assumidos, mas podem ser contornados com menos traumas do que em outros partidos. Até o PTB de Roberto Jefferson voltou ao centro do debate interno do grupo do presidente. Quando se fala em partido político por aqui, é bom lembrar que este território é dominado e tem sempre um mandatário. Ainda solto, Roberto Jefferson abriu as portas para a filiação do presidente, mas chegou a se levantar da cadeira para enfatizar que cederia tudo, menos o comando total. “A minha cadeira, não!”, disse de pé e apontando para a cadeira em que sentava. Valdemar Costa Neto reagiu diretamente ao presidente dizendo que “quem manda no PL sou eu!”. 

Março é o limite. O prazo de filiação partidária para disputar as eleições do ano que vem. O presidente admitiu a dificuldade com o PL, Valdemar e seus aliados e prometeu discutir nas próximas semanas se continua com o projeto PL ou se vai para outro partido. Continua o processo difícil de estacionamento do transatlântico. A complicação está maior. Os deputados e futuros candidatos do grupo não sabem o que fazer em termos de partido político. Esperam exatamente a assinatura do presidente numa ficha de filiação. A campanha já começou na prática e é preciso definição partidária para os candidatos que podem ter dificuldades na acomodação futura. Os deputados me dizem estressados por esta decisão, mas voltou tudo à estaca zero. Agora com um alarme sério: se a partir de março o partido escolhido decidir que não haverá candidato, o presidente ficaria inelegível por falta de prazo para nova filiação e candidatura. Veja que fragilidade de lógica da legislação, um transatlântico pronto para partir, mas com as chaves nas mãos de um dirigente partidário, num país onde o partido funciona como uma lojinha aberta para faturamento.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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