Reforma política não será aprovada porque parlamentares não votam contra os próprios interesses

Deputados e senadores estão de olho na reeleição e as regras discutidas têm como objetivo a manutenção do poder

  • Por José Maria Trindade
  • 24/06/2021 14h14
Estadão Conteúdo Vista do Congresso Nacional. Duas torres altas no meio de outros dois prédios em formato oval. Um lago na frente refletindo os prédios PEC do voto impresso auditável precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado até outubro deste ano para poder valer já nas próximas eleições

Um experiente parlamentar me disse o óbvio: uma lei eleitoral só será boa se aprovada para entrar em vigor daqui a 20 anos ou 30 anos, quando todos os atuais deputados e senadores não estiverem mais na ativa. A constatação é de que ninguém trabalha contra os seus interesses pessoais. O deputado que vota a lei é o mesmo que será candidato na próxima eleição. A preocupação maior não é com o processo eleitoral e muito menos com os interesses nacionais, mas a reeleição. A reeleição dele mesmo. A disputa municipal funcionou como laboratório. O que aconteceu com os vereadores nas eleições do ano passado vai se repetir com os deputados estaduais e federais no ano que vem. A conclusão dos deputados foi de que, sem as coligações proporcionais, o processo mudou e muito.

Mais de cem deputados concluíram que não serão reeleitos sozinhos, sem a força da coligação. Desespero. Houve então a luta para mudar a lei e voltar às coligações, juntando as várias bancadas de descontentes. Entre os chimpanzés, esta prática é comum na disputa pelo poder. Pequenos grupos se unem para derrotar o grupo do poder. Nós copiamos. Foi assim que a força por mudanças na lei se fez. O grupo quer a volta do financiamento eleitoral e partidário por empresas privadas, voto impresso, readequação do fundo eleitoral, propaganda em rádio e TV, redução do número de candidatos e a federação partidária para anular os efeitos das cláusulas de barreira. Só que um novo grupo de resistência foi formado, a união dos maiores partidos que se beneficiam das atuais regras. Eles não querem a volta das coligações. Dominam o processo eleitoral. Aí é que mora a dificuldade na aprovação até outubro das mudanças na lei eleitoral. O que pode sair deste debate é a federação dos partidos e regulamentação do financiamento eleitoral. 

O debate sobre a volta do voto em cédula foi excluído pela complexidade. Será uma emenda constitucional, que se passar pela Câmara, terá dificuldades para aprovação no Senado até outubro. A insistência dos aliados do presidente Jair Bolsonaro pelo tema intriga deputados de esquerda. Há quem acredite em semente para desacreditar o processo eleitoral com a narrativa de que as urnas eletrônicas fraudaram as eleições e que há insegurança. Em seguida, sem o voto em cédula, a discussão se aprofundaria para fraude e o grupo iniciaria uma nova disputa para desacreditar as normas. A conclusão é de que o melhor é enfrentar agora o debate. Aprovar uma emenda constitucional não é fácil e o governo não tem maioria no Senado para fazer uma mudança na Constituição. Sem uma reforma eleitoral eficiente, o processo fica preso às mudanças pontuais e temporárias. Eleição por eleição, os interesses vão sendo adequados à maioria do momento no Congresso. Assim é que o projeto patina e está sendo disputado entre os que ficam com reeleição facilitada a bordo dos grandes partidos e os que trabalham pela periferia e dependem da soma de votos dos aliados para a eleição. O positivo da situação é que a tendência aponta para o fortalecimento dos partidos políticos. Fica a lição popular: quem parte e reparte, fica com a maior parte. Por aqui, a conversa é direta: ninguém vota contra ele mesmo, o que seria cometer o chamado “haraquiri político”. 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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