Reforma tributária sobe no telhado; história mostra que, quando se discute impostos, sobra divergência
Diferentes parlamentares tentaram e não conseguiram aprovar projetos para mudar o sistema fiscal brasileiro; nova derrota está no horizonte
“Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências. Dize-nos, pois, o que pensas: é lícito ou não pagar imposto a César?” Mesmo sabendo da legalidade do pagamento de impostos, os fariseus, no papel que hoje é praticado por jornalistas maldosos, que fazem intriga antes de informar, armaram essa pegadinha com Jesus. Conhecedor profundo da alma humana, o mestre deu a resposta que seria criticada hoje se fosse de um certo presidente da República. “Hipócritas! (Idiotas). Por que me preparais uma armadilha? Mostrai-me a moeda do imposto!” Em seguida, a sentença: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?”, questionou Jesus. “De César”, responderam. “Pois dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. O pagamento de imposto é bíblico. Até os mais aguerridos liberais dizem sobre a necessidade dos tributos. A vida e as administrações exigem, mas o debate está no limite, até onde pode ir a “sangria”.
Numa conversa com o ex-ministro Delfim Netto, ele dizia que o pai já ensinava: “Meu filho, você só estará livre de pagar imposto depois da morte”. E o próprio Delfim, então deputado federal, discutindo uma das muitas propostas de reformas tributárias na Câmara emendou: “Outro dia, organizando carnês para o pagamento de IPTU em São Paulo, me deparei com um em especial: o IPTU do mausoléu da família, onde está enterrado o meu pai. Concluí que ele estava errado. Nem na morte nos livramos dos impostos”. Se o tributo é inevitável, o debate está na justiça e na quota a ser paga. No Brasil, já no descobrimento, foi taxado o pau-brasil. Um quinto da extração ficava em pagamento de tributos. Os impostos sempre pesaram e quase houve uma independência prematura por revolta contra eles. Joaquim José da Silva Xavier foi enforcado e esquartejado por criar um movimento em defesa de uma “reforma tributária”. Os tributos estavam altos demais. Isso em 1729, a extração de ouro era taxada em um quinto e provocou a reação que envolveu intelectuais, nacionalistas e empresários, claro. Sobrou para os mais visíveis, muitos se esconderam da ira demonstrada pela coroa portuguesa. Além do quinto, existia a derrama, uma garantia de impostos em 100 arrobas de ouro por ano. O debate é longo e pesado quando se trata de impostos. Juristas aconselham sempre seus clientes nas contendas diante da Justiça: “Na dúvida, pague!”.
O tema é atual e a história mostra que, quando se discute impostos, sobra divergência. Eu mesmo já acompanhei relatores determinados a aprovar mudanças na legislação para reduzir a margem e distribuir melhor os impostos. O ex-deputado Mussa Demes morreu tentando aprovar um projeto, um mínimo que fosse. Germano Rigoto lutou, foi eleito deputado, depois governador e não conseguiu acertar a distribuição do fisco. O ex-deputado Sandro Mabel chegou perto de um processo simplificado e, em vão, bateu na trave e não votou. Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, Davi Alcolumbre, ex-presidente do Senado, formaram um pacto para votar uma reforma tributária que falhou. O ex-deputado Luiz Carlos Hauly lutou por mandatos consecutivos e não votou a sua proposta “simplificadora” de impostos. Hoje, como consultor, se vê em mais dificuldade para convencer forças invisíveis a aprovarem o projeto de reforma. A derrota está no horizonte.
Hoje, dois projetos no Congresso aguardam a chance de derrota. Um no Senado, que tem como base a proposta de Luiz Carlos Hauly. Recebeu a chancela de Alcolumbre. Outro, na Câmara, foi articulado por um grupo de economistas, coordenado por Bernard Appy, que tem o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi, como relator, mas agora faz parte do projeto de unificação da proposta. Um outro projeto, que nem existe na prática, mas já habita os debates, vem do governo. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, decidiu que vai levar o assunto ao plenário. Só decidiu, ainda não levou. E já veio a primeira dificuldade. O ministro da Economia, Paulo Guedes, apitou o pare! Nem quer saber de mudar a legislação tributária. A nova onda agora é fatiar o projeto. Isso significa regulamentar setor por setor, começando pela área de serviços. A deixa para dizer que a reforma tributária subiu no telhado. Se houve revolta no Brasil pela cobrança do quinto, o que diriam os inconfidentes ao tomarem conhecimento que estamos agora em 35% de carga tributária. Em média. Alguns setores pagam mais do que isso. E o conselho continua: “Na dúvida, pague!”.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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