Aumenta tensão entre China e EUA sobre Taiwan

Presidente da Taiwan visitou os EUA e países da América Central

  • Por Kellen Severo
  • 10/04/2023 10h00
EFE/EPA/ETIENNE LAURENT Tsai-Ing-wen-presidente-taiwan-visita-estados-unidos-EFE-EPA-ETIENNE-LAURENT Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, se encontrou com Kevin McCarthy e outros congressistas em visita aos Estados Unidos

A tensão entre China e Estados Unidos aumentou  após a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, viajar ao país norte-americano e encontrar com o presidente da Câmara dos Representantes, Kevin Mccarthy. Antes de ir aos EUA, Tsai também visitou países da América Central, como Belize e Guatemala, em uma tentativa de estreitar relações. Confira a entrevista com o diretor de estratégia da Arko Advice, Thiago Aragão, sobre os impactos do tema no agronegócio

Há uma ameaça de a China invadir Taiwan? Não. Essa ameaça não é iminente. Ela é uma construção que vem sendo feita já há algum tempo, mas em conversas que mantenho com pessoas relacionadas com o governo em Pequim é que não há uma intenção no momento de fazer uma movimentação militar em relação a Taiwan. Até porque a China entende que não seria uma ação rápida, seria uma ação complicada, de longo prazo e que traria efeitos para sua economia em um momento de revitalização e recuperação econômica. Então seria totalmente contraproducente no momento, mas isso não impede que as tensões vão aumentando com ações granulares de um lado e de outro.

A relação entre China e Estados Unidos por causa de Taiwan piorou? Sim, existe sempre uma piora nessa relação vinculada à questão de Taiwan porque Taiwan acaba sendo o caminho mais fácil para que os EUA possam retaliar alguma ação no qual eles consideram ofensivas por parte da China. Nesse caso específico, a viagem de Xi Jinping à Rússia para conversar com Putin e a demonstração de apoio à Rússia em relação à guerra na Ucrânia causou desconforto muito grande em Washington. Então essa visita ao McCarthy nos EUA à presidente de taiwan é basicamente uma resposta direta à visita do Xi Jinping ao Putin. Essa situação de que cada um manda um recado de um lado para o outro já chega num ponto que ninguém mais sabe quem começou, quem dará o próximo passo e isso vai alimentando tensão que possibilita erros. O grande risco que nós temos no mundo hoje em relação a um possível conflito militar entre EUA e China se dá não por ações deliberadas, de uma invasão chinesa em Taiwan, mas por ações equivocadas a partir de erros baseados na superpopulação militar ao redor da ilha de Taiwan. Então, cada vez que a China faz mais exercícios militares, os EUA respondem com mais presença militar na região, isso aumenta consideravelmente a possibilidade de um erro de cálculo de um dos dois lados e aí sim poderia levar a uma situação tensa.

Na última semana, a presidente de Taiwan também viajou à América Central e visitou países como Guatemala e Belize. Qual a posição do Brasil nesse contexto e por que isso importa para nós? Isso importa porque na medida que a China vai conseguindo reverter a posição diplomática de alguns países na região, como foi o caso de Honduras e anteriormente o Panamá e República Dominicana, minha aposta pessoal é que o próximo país a trocar de lado será Belize, apesar da visita da presidente de Taiwan ao país. A grande joia da coroa para os chineses é o Paraguai. Ele é o país importante que reconhece Taiwan no mundo e ao mesmo tempo pelo fato de o Paraguai reconhecer Taiwan, ele se coloca como uma pedra no meio do caminho da China para alguns para acordos mais robustos entre China e Mercosul. Porque muitas vezes esses acordos, as tentativas de acordo mais amplo de livre comércio entre o Mercosul e a China, são impedidos por conta do reconhecimento paraguaio a Taiwan e não a República Popular da China. Então cada vez que nós vemos uma mudança de certos países que reconhecem Taiwan e passam a reconhecer a China, nós identificamos que cada vez mais a China está mais próxima de causar uma reversão total na região, culminando no Paraguai e possivelmente isso acaba também mudando todo o aspecto da relação entre Mercosul  China. E o Brasil sendo o país mais importante do Mercosul, tem efeito muito importante.

Há uma pressão que se aproxima do Brasil? O que podemos esperar? O Brasil é um país que possui uma dependência muito grande da China. A relação é desigual. O Brasil depende da China mais do que a China depende do Brasil, apesar de que a soja e outros alimentos commodities importadas do Brasil são de suma importância para a China. Mas a China consegue buscar algumas variações de vendedores com mais facilidade do que o Brasil consegue buscar uma variedade de compradores. Então isso torna uma relação de dependência. Toda relação de dependência ela é por definição desigual e por ser desigual o Brasil acaba se colocando em uma posição onde ele é obrigado a aceitar as condições impostas pela China ao invés de ditar as regras de como essa relação funciona. À medida que a China vai ampliando sua influência na região e ampliando sua capacidade de gerar mais dependências em relação a outros países latino-americanos, isso naturalmente diminui a capacidade do Brasil influenciar esses outros países. Então é uma ocupação de espaço básico, à medida que a China amplia sua influência e seu espaço em relação a determinados países, a posição do Brasil diminui. A Argentina é um exemplo claro onde a influência chinesa é tão alta e consequentemente diminui a influência brasileira em relação à Argentina, algo que tínhamos durante muitos anos e hoje já não existe no mesmo volume.

O dólar está perdendo força no mundo? O Brasil e China avançarão no acordo pra excluir dólar das transações comerciais e usar Yuan? Eu não vejo que o dólar está perdendo força no mundo, mas ao mesmo tempo sim, é um avanço da China. A questão da utilização do yuan digital é uma decisão contábil porque no fim das contas o yuan digital é um valor de referência para os dois lados. O produtor brasileiro vai receber em reais, o exportador chinês vai receber em yuan, mas a moeda de referencial contábil nessa relação vai ser o yuan digital e não mais o dólar. Isso naturalmente aumenta a influência do yuan, mas estamos longe de ter uma situação onde o yuan substitui o dólar em termos de confiança, porque o dólar está imbuído culturalmente, financeiramente no mundo. O yuan é desconhecido e não existe conhecimento profundo do processo de tomada de decisão do banco central chinês e até em relação a transparência da economia chinesa. A gente dificilmente vai ver indivíduos e empresas optando por receber pagamento em yuan do que em dólar. Nesse caso, não se trata de receber em yuan do que em dólar, se trata de uma referência contábil, por mais que não cause um grande impacto e não vai afetar o exportador brasileiro, mas sim ampliar a influência da China no mundo.

Como você resume o momento que estamos vivendo hoje? A gente vive em um momento mais incerto dos últimos 20 anos ou possivelmente desde o fim da guerra fria. E as pessoas não se dão muito conta porque as grandes mudanças no mundo elas vão acontecendo de forma tão aos poucos que muita gente acaba não percebendo as grandes mudanças que existem. Hoje estamos em um ambiente global muito diferente de 10 anos atrás. O fato de a China poder ditar certos rumos no mundo é de extrema relevância. E um exemplo claro é em relação a Arábia Saudita e o Irã, dois países rivais no Oriente Médio, que se odeiam no Oriente Médio e a China por ter relação próxima com os dois conseguiu fazer com que reatassem as relações diplomáticas. Na América Latina a mesma coisa, a China amplia sua influência na América Latina, em vários países da África ligados a mineração e agricultura. Tudo isso faz com que os EUA hoje,  e eu moro em Washington e acompanho isso de perto, os EUA estão relativamente perdidos em relação a como se posicionar na contenção da China, porque a China possui armas e atributos que os EUA não tem. E infelizmente aspectos da democracia, no qual defendo até o fim.  A democracia possui algumas dificuldades operacionais em relação a um regime totalitário como a China. O governo americano não pode obrigar uma empresa americana a atuar em um país e aceitar perdas financeiras, o governo chinês pode fazer isso e utilizar isso para aumentar a influência. É uma briga que os EUA talvez ainda não compreenderam muito bem, de como funciona a capacidade de influência chinesa, a capacidade de absorção de certos países para sua esfera de poder porque ainda existe aquela velha mentalidade de que a relação entre os países se dá por ligas ideológicas e não é verdade. O pragmatismo é a principal arma do governo chinês porque ele é baseado em acesso fácil a crédito. Então, quando a China oferece linha de crédito fáceis a produtores brasileiros, a mineradores brasileiros, a industriais brasileiros e consequentemente ao governo brasileiro, você está girando um processo de dependência financeira que não vai necessariamente prejudicar o produtor brasileiro, mas no conjunto da obra, você cria uma situação que facilita com que a China ela consiga impor as decisões que mais lhe convém.

Estamos caminhando para uma era que a China vira a primeira economia do mundo? Há uma potencial agenda anti-Ocidente? Isso existe, mas dificilmente vai tomar conta do globo por conta de um aspecto extremamente importante e a gente não se dá conta, que são nossas relações culturais. A nossa cultura, a cultura popular desde a forma que nos vestimos, a forma como a televisão é feita, a forma como os filmes são feitos e as forma como o entretenimento é desenvolvido, isso nos une aos países ocidentais. E isso é algo que dificilmente vai ser quebrado. Agora, a grande tensão no mundo hoje que é reconhecida em Washington é que a China, para ela atingir uma posição de liderança, basta ela continuar fazendo o que está fazendo. E os EUA, para preservar sua posição de liderança, vão ter que se reinventar e mudar o que estão fazendo. Essa é a grande diferença no mundo hoje, um basta seguir na linha que está e o outro vai precisar rever muitas coisas no relacionamento da sua política internacional.

Quais são os temas que importam para o agro brasileiro na geopolítica neste momento? Eu converso com produtores do agronegócio americano porque eles entendem a importância da geopolítica de uma forma que muitos produtores no Brasil não entendem. Eles acham que por ser distante, não vai nos afetar. Mas a crise em Taiwan, por exemplo, e no Indo- Pacifico é uma crise que incide diretamente nas rotas das exportações brasileiras. Então, eventualmente, se nós tivermos um conflito no futuro próximo ou até uma situação de bloqueios navais por um país ou por outro, isso vai afetar diretamente as exportações brasileiras e as importações. A geopolítica ela hoje faz preço mais do que qualquer outra coisa e isso é algo que o produtor brasileiro se não entender, vai seguir sendo o passageiro num vagão de um trem que ele não sabe para onde está indo. Que enquanto lá dentro está tudo bem e confortável, ele vai se sentir confortável, mas se ele não sabe para onde esse trem está indo e quem está guiando esse trem, o destino pode ser um destino completamente desagradável.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.