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Mundo vai precisar de ‘novo Brasil’ em terras até 2030

A apresentadora Kellen Severo recebeu Nelson Ferreira, sócio-sênior da consultoria Mckinsey

Um estudo realizado pela Mckinsey revelou que será necessário cerca de 80 milhões de hectares, quase um “novo Brasil”, em área plantada para atender a demanda por comida, biocombustível e reflorestamento até 2030. O material será apresentado na COP28, que começa nesta semana em Dubai. Confira a conversa que tive com o sócio-sênior da consultoria, Nelson Ferreira, sobre o tema e sobre os efeitos da Cúpula do Clima para o agronegócio brasileiro.

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Um estudo da Mckinsey apontou que mercado de carbono, energias renováveis, financiamento para terras degradadas são alguns dos temas que devem estar na COP 28 com impacto potencial no agro. O que você espera que saia da conferência de ordem prática? A gente espera que a conferência ressalte a importância e a urgência do setor agrícola, da agropecuária, de terras, para endereçar a transição energética que o mundo precisa. E, acima de tudo, que seja uma cópia orientada à ação. A ação para adoção de agricultura regenerativa de forma mais ampla no planeta, a ação para que a gente tenha protocolos, por exemplo, de medição e de reconhecimento de práticas sustentáveis de uma forma mais ampla, inclusive adaptados aqui para os biomas brasileiros. E que seja uma COP também orientada para a ação no tocante a mecanismos de financiamento, no mecanismo de trazer talentos e capacitação técnica para o setor agrícola do mundo como um todo.

Olhando para o Brasil, aqui no Congresso, a gente já vê a intenção de que se avance com a regulamentação do mercado de carbono antes da COP. Estão chamando de Agenda Verde. Se isso acontecer, se esse mercado for regulado, em quanto tempo os produtores rurais vão conseguir receber pagamento por crédito de carbono? E essa é a única saída: regular o mercado para receber pagamento por crédito de carbono? Não é a única saída, e a gente espera que isso acelere. É difícil a gente cravar um prazo na pedra, mas, se a gente olhar a experiência de outros países, toda vez que você teve o mercado regulado também acelerou o mercado voluntário. E, na maioria das regiões onde esses mercados já coexistem há algum tempo, ambos têm florescido de uma forma conjunta, coexistindo, e de uma forma harmônica. A gente espera que isso aconteça também no Brasil. Então, com o avanço da regulamentação e a própria COP, a gente imagina que vai se acelerar o mercado regulado e também o mercado voluntário para todos os setores do Brasil. E a gente também espera aqui, em pouco tempo, para a agricultura também.

Eu já ouvi de muita gente da nossa audiência uma preocupação com o risco de fraude nesse mercado de carbono. Eles são altos? Existe risco, obviamente, de fraude. E existe risco também de dupla contagem. Vamos lembrar que um produtor pode receber um benefício através de um crédito de carbono, mas ele também pode receber um benefício de outra forma, por exemplo, por um prêmio ao seu produto pago pela cadeia de fornecimento, pelos clientes, em função de uma determinada prática sustentável. E esse também é um risco que, muitas vezes, as empresas para as quais exportamos às vezes se preocupam, de evitar que você tenha uma dupla contagem, tenha um produtor recebendo um crédito e, ao mesmo tempo, um prêmio por um produto pago. São todos detalhes que vão cada vez mais sendo resolvidos e dirimidos à medida que esse mercado ganha escala, ganha maturidade, que é o que a gente espera que aconteça nos próximos anos.

Muito se espera de que haja o pagamento por crédito de carbono, mas também há uma grande preocupação de que, enquanto se espera que esse pagamento vire uma realidade no Brasil, outra premissa avance. Que é a da taxação por emissões no agro. Esse risco é real? Esse risco sempre existe, e a gente não consegue aqui saber se ele vai acontecer ou não. O que a gente consegue é ver os fatos de hoje. E hoje ele não existe. Então, mesmo a legislação na Europa, mesmo se você olhar o CBAM e o que eles estão taxando toda a parte de comida que não está incluída hoje , pode acontecer, e a gente não consegue aqui falar sobre as definições das políticas tributárias das diferentes regiões. O que, sim, a gente pode falar é as consequências se isso acontecer. Claramente, se você coloca o imposto numa produção agrícola, isso vai impactar no preço dos alimentos, que vai impactar, por exemplo, em segurança alimentar no mundo. Ainda mais se você considerar o papel importante que o Brasil cada vez mais tem na exportação de commodities como soja e milho. É difícil saber se isso vai acontecer ou não, mas a gente sabe que, em um cenário onde eventualmente isso aconteça, vai trazer consequências muito complicadas para a dinâmica de preço e pode afetar o fluxo das commodities globalmente, pode afetar as cadeias de produção e, mais importante, a segurança alimentar de tanta gente que precisa dessa comida e dessas commodities.

De quanta terra o mundo precisa para produzir os alimentos que vão ser demandados nos próximos anos? De onde vão vir essas terras? Como é que vai ser financiado tudo isso para esse avanço acontecer? Isso é tema da COP também? Esse é um tema da COP. Nós, aqui na Mckinsey, acabamos de lançar um estudo exatamente sobre esse tema, que vai ser um dos destaques da COP no dia 10. Eu estarei lá representando e discutindo exatamente sobre esse tema. E é uma provocação bastante interessante porque a mensagem principal é: se você considerar tudo o que o mundo precisa de terra para a alimentação animal, para a nossa própria alimentação, reflorestamento, sequestro de carbono, água e preservação de biomas, a gente chega numa quantidade que é de 70 milhões a 80 milhões de hectares. É quase uma área plantada do Brasil. É como se o mundo estivesse precisando de um “novo Brasil” em área plantada apenas para suprir todas as suas necessidades de comida, de biocombustíveis e de reflorestamento.

Em quanto tempo? Até 2030, ou seja, daqui a pouco, né? Estamos falando basicamente até o final da década. E aí a gente pode olhar isso como uma boa notícia e uma má notícia. A boa notícia é que, historicamente, a humanidade tem colocado quantidades mais ou menos parecidas. E tem bastante terra disponível no mundo, especialmente terras degradadas. Temos no mundo hoje uma disponibilidade de 600 milhões a 700 milhões de hectares de terra degradada, 100 milhões dos quais estão aqui no Brasil. Sejam terra moderadamente ou severamente degradadas. O grande desafio que nós temos é que, historicamente, a humanidade adicionou terra através, principalmente, de desmatamento e que hoje graças a Deus não é mais uma alternativa. A gente tem hoje muito mais consciência sobre métodos produtivos sustentáveis. A forma de a gente adicionar essa terra vai ser através de recuperação de pastagens degradadas, recuperação de terras degradadas. Você me perguntou onde está essa terra. Está aqui na América Latina, principalmente no Brasil, está na África Subsaariana, está no Sudeste Asiático. E o Brasil tem um papel muito importante porque não só nós temos muita disponibilidade dessa terra degradada, mas a recuperação é potencialmente mais barata e mais rápida aqui do que em outros lugares. É uma oportunidade que a gente vê muito grande para o Brasil daqui para a frente, nos diferentes usos da terra, não só para a comida, mas também para a energia e demais usos.

Imagino que o financiamento de recuperação de área degradada seja um tema da COP. Afinal de contas, a gente precisa saber de onde vai vir esse dinheiro. De onde vai vir esse dinheiro? Precisa vir de instituições privadas, organismos públicos. A gente está falando apenas para recuperar 70 milhões de terras degradadas de uma ordem de US$ 250 bilhões a US$ 300 bilhões, o que é um investimento alto, e ao mesmo tempo, é uma oportunidade de negócio e oportunidade de desenvolvimento da cadeia de valor. Mas a cadeia como um todo vai ter que se organizar para prover esse dinheiro.

O agro vai ser reportado como vilão ou como solução na COP 28? Quanto a questão de vilão ou solução, eu preferia ficar fora dos extremos. Eu acho que o fato é que hoje você tem 25% das emissões no mundo ligadas à terra e ao setor agropecuário. E não existe um caminho para a gente chegar a 1,5ºC ou 2ºC de aumento e de net zero se a gente não trouxer biomassa, se a gente não trouxer agricultura sustentável e agricultura regenerativa. Não tem como o mundo avançar se a gente não tiver o setor agrícola junto com soluções que abarquem o mundo inteiro. Eu espero, voltando à primeira pergunta, que a COP traga ação para a gente avançar nessa pauta.

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