Política de desmatamento zero vai encarecer alimentos e pode resultar no aumento da fome

Durante a Conferência do Clima, McDonald’s, Danone e outras grandes empresas publicaram o ‘Manifesto da Soja’, com uma série de reivindicações que ignoram a cadeia produtiva

  • Por Kellen Severo
  • 10/11/2021 09h00 - Atualizado em 11/11/2021 13h21
Eduardo Matysiak/Futura Press/Estadão Conteúdo - 16/09/2021 Na ponta dos pés, homem observa produtos como iogurte, Danone, manteiga e outros que ficam em gôndolas resfriadas em um supermecado Tolerância zero com desmatamento deve gerar um aumento de custo enorme para os consumidores

Durante a COP26, um grupo de indústrias que atua na área de alimentos publicou o “Manifesto da Soja”, no qual comunica tolerância zero com o desmatamento na cadeia após janeiro de 2020. A barreira foi estabelecida por empresas como McDonald’s, KFC, Danone e Nestlé, só para citar algumas das 27 signatárias. O prazo para que a medida entre totalmente em vigor é 2025. A postura deles é a seguinte: se tem agressão ao meio ambiente, não serve. Vale destacar que o desmatamento é considerado ilegal quando ocorre em áreas que não possuem autorização do órgão ambiental para supressão da vegetação nativa. Quando é autorizado pelo órgão ambiental, com estudos que comprovem a conformidade com a legislação florestal, ele é legal.

As áreas de novas fronteiras agrícolas, como a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), podem ter o seu desenvolvimento freado se a política da tolerância zero avançar. O Reino Unido não é um dos principais clientes do Brasil, mas o Brasil é um dos principais fornecedores da região. Segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, a tolerância zero com o desmatamento vai tirar eficiência das cadeias produtivas e encarecer alimentos para o consumidor.

“Esse movimento do Reino Unido reflete o movimento da própria legislação da Inglaterra. O setor privado está basicamente copiando o movimento que o governo inglês fez, e a União Europeia vai fazer parecido também. Os burocratas europeus, e toda essa pressão do próprio consumidor e das ONGs, não estão entendendo as formas como estão sendo construídas as cadeias dedicadas ao desmatamento zero — porque o desmatamento é muito pequenininho. Não compensa montar uma cadeia inteira dedicada por causa de 0,3% do suprimento deles. Isso vai gerar um aumento de custo enorme para os consumidores, vai trazer para o mercado de alimentos um problema real. Não sei como vão fazer na Europa, pois os alimentos vão encarecer lá”, disse Nassar.

O movimento abraçado pelo Reino Unido pode gerar desafio adicional à cadeia global, atualmente fragilizada pela alta da energia, rupturas no fornecimento de produtos e embates geopolíticos. O sinal que o “Manifesto da Soja” dá é que outras resoluções e até legislações no Reino Unido ou na Europa, sobre produtos importados contendo desmatamento, podem ser anunciadas a qualquer momento e exigir mais análises, mais rastreamento, mais diligência na cadeia.

Produzir com sustentabilidade é a marca do nosso tempo. Inquestionável! Mas a adoção acelerada e desmedida de políticas de tolerância zero para desmatamento nas cadeias de alimentos pode deixar a comida mais cara, especialmente se a onda europeia e inglesa for replicada em outras áreas do mundo. Radicalizar a questão ambiental é temerário e pode resultar em aumento da fome. A própria FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) alerta que o fator importante para conter os índices de fome no mundo é o baixo preço dos alimentos.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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