Amizade entre homem e mulher existe? 

Atração não é exclusividade do sexo oposto; os melhores vínculos nascem quando sabemos colocar cada coisa em seu lugar — afinal, a amizade também é uma forma de amor

  • Por Larissa Fonseca
  • 01/09/2025 11h36 - Atualizado em 01/09/2025 11h37
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wayhomestudio/Freepik Homem e mulher elegantes posando juntos Amizade entre homem e mulher, relacionamento

Um homem pode ser amigo de uma mulher sem que exista uma tensão escondida? Essa visão ecoa em discursos religiosos e conservadores, como se amizade fosse incompatível com a natureza humana. Mas será que isso ainda faz sentido? O primeiro ponto é que desejo não é exclusividade do sexo oposto. A atração pode aparecer em qualquer configuração: entre mulheres, homens ou entre gêneros diferentes. Reduzir a amizade ao risco da atração heterossexual é olhar a vida pelo retrovisor. Desejo existe, mas a maturidade emocional é justamente a capacidade de reconhecê-lo e não deixar que ele destrua vínculos valiosos

A série Friends funciona como um bom antídoto cultural. Ao longo de dez temporadas, vemos laços profundos entre homens e mulheres que sobrevivem ao cotidiano, às diferenças, às piadas internas, sem que tudo precise escorregar para o romance. A série mostra que intimidade pode ser companhia, projeto, senso de pertencimento. E que a amizade, quando é boa, não depende de gênero. 

Mas e a vida real? A neurociência mostra que qualquer vínculo afetivo pode ativar circuitos de prazer ligados à dopamina e à serotonina. O desejo compartilha essa mesma rota, mas não a monopoliza. Podemos sentir prazer em estar com alguém sem que isso se traduza em paixão. É esse enquadre mental que define se o impulso se transforma em problema ou se permanece como parte da riqueza da convivência humana. 

Será que o ciúme que sentimos diante das amizades do nosso par revela mais sobre posse do que sobre amor? Esse olhar para dentro expõe a sombra: a dificuldade em aceitar que o outro pode — e vai — sentir prazer em vínculos que não passam por nós. É humano sentir ciúmes. Mas quanto antes entendemos que o outro é livre para mudar, mais conseguimos sustentar relações de cumplicidade e amizade, evoluindo emocionalmente conectados.

Boa amizade é aquela que nos permite ser quem somos, sem a necessidade de esconder a forma como escolhemos viver. Não precisamos partilhar das mesmas convicções. O que nos une é justamente a possibilidade de conviver mesmo discordando. E talvez aqui esteja o ponto que mais incomoda: podemos ser mais honestos em nossas amizades do que somos em um relacionamento? 

Mesmo quem defende a monogamia como pilar da vida em casal sabe, no íntimo, que desejos paralelos existem. Isso não significa traição inevitável, mas revela a condição humana: sempre haverá fantasias silenciosas, vontades escondidas, curiosidades não ditas. A amizade entre gêneros, nesse sentido, não é uma ameaça ao casamento. Pode até fortalecê-lo, se vivida com clareza e honestidade. 

A questão, portanto, não é se amizade entre homem e mulher existe. Ela existe, sempre existiu. O desafio é como cada um administra as zonas cinzentas entre amizade, desejo e compromisso. O risco não está na proximidade, mas na falta de diálogo e no medo de reconhecer os próprios impulsos. Será que todo desejo precisa ser vivido, ou parte da maturidade está em guardá-lo sem transformá-lo em ação? E, até onde a amizade é apenas amizade? 

Estudos da Universidade de Wisconsin mostram que homens tendem a superestimar o interesse romântico de suas amigas, enquanto as mulheres percebem a relação de forma mais realista. Isso indica que o problema não está na amizade, mas nas lentes com que a interpretamos. Normalmente, quando falamos do outro, falamos também sobre nós mesmos. Projetamos desejos, intenções, inseguranças e até medos nas relações que julgamos. 

Na Universidade de Oxford, pesquisas apontam que meninos com mais amigas desenvolvem visões mais igualitárias sobre papéis familiares. A convivência com o sexo oposto altera percepções, educa para a vida adulta e ensina a respeitar limites sem transformar todo vínculo em ameaça. A pergunta é se a amizade verdadeira entre homem e mulher existe. Mas, sim, como é que cada um de nós escolhe administrá-la? Até onde o desejo precisa se transformar em ação? Até onde o ciúme revela amor ou apenas posse? 

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O laço que não pede exclusividade, mas oferece presença; o vínculo que não exige posse, mas garante liberdade. Quando verdadeira, não compete com o desejo nem com o amor romântico. Ela permanece, sustenta e atravessa o tempo. E não precisa de promessa, de papel assinado ou de aliança para estar junto, é escolha. No fim, a amizade não é prévia de romance nem rascunho de amor. É um capítulo próprio. Porque, entre linhas de desejo e compromissos de amor, a amizade é o ponto que sustenta toda a frase.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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