Acusações de ameaça à segurança dos EUA podem mudar os rumos da campanha de Trump
Ex-presidente vai responder por 37 crimes envolvendo a posse ilegal de documentos sigilosos, entre eles segredos sobre vulnerabilidades na defesa americana
Trump volta a escrever a história da Casa Branca. Ele, que foi o primeiro eleito sem nunca ter exercido um cargo público anteriormente, vai inaugurar a lista de chefes de Estado imputados por violação constitucional. Sentar-se no banco dos réus não é uma novidade para o magnata, que frequentou tribunais durante a vida de empresário por desavenças no mundo corporativo. Porém, Trump passou a figurar como acusado na figura de ex-presidente, outra façanha inédita até a administração dele. Ao se apresentar a uma corte federal de Miami, na Flórida, Trump soma o segundo processo ligado ao governo do republicano. O primeiro corre em Nova York e diz respeito a supostas falsificações de despesas. Se, por um lado, o caso julga a conduta do ex-presidente na condição de homem de negócios, o fato dele ter omitido que o pagamento ao advogado da época era, na verdade, um repasse a uma atriz pornô pela compra do silêncio dela, a situação esbarra na administração pública indiretamente. A promotoria entende que Trump ocultou uma possível relação extraconjugal da campanha que o elegeu em 2016. Por isso — segundo a acusação —, disfarçou o pagamento à atriz alegando honorários advocatícios. Juristas acreditam que dificilmente a condenação supere multas e a assinatura de um termo de adequação de conduta.
A partir desta semana, a situação é diferente. Trump passa a responder por crimes federais. E, agora, as denúncias envolvem diretamente a Casa Branca. São 37 denúncias. A maioria sobre a posse ilegal de documentos sigilosos que expõem os Estados Unidos, a exemplos dos relatórios que apontam vulnerabilidade no sistema de defesa americano. São centenas de caixas retiradas do governo sem autorização e acondicionadas de maneira imprópria. O risco de deterioração é o menor deles. O perigo real são segredos de Estado serem expostos. Isso, sem falar do embaraço diplomático. Os papéis também continham detalhes da capacidade nuclear de aliados e rivais. Se Trump for condenado por desvio de arquivos secretos, a punição chega à inelegibilidade. Entretanto, muito dificilmente, todas as etapas do julgamento — incluindo o direito a recorrer à Suprema Corte — terminarão até novembro do próximo ano, quando acontece a eleição presidencial. Mesmo sem implicações jurídicas a curto prazo, as denúncias influenciam diretamente na campanha. O ex-presidente ainda aparece como franco favorito na disputa interna do Partido Republicano. Por outro lado, municiam os rivais. Trump tem dois competidores que, até pouco tempo, chamava de aliados: o ex-vice Mike Pence e o governador da Flórida, Ron DeSantis. Ambos carregam um forte componente “trampista” — o que é bom para atrair um numeroso eleitorado conservador. A questão é saber se eles conseguirão se distanciar de Trump. Afinal, a imagem dos dois continua muito ligada à administração anterior.
Voltando ao protagonista da situação, o ex-presidente Trump a pergunta agora é o quanto as acusações esvaziam o capital político do republicano. “Ele é um especialista em espetáculos de níveis televisivos, digamos assim. Sabe muito bem administrar narrativas em seu favor e manter seus apoiadores engajados. A própria ida dele ao tribunal de Nova York, em abril, já foi uma notória demonstração disso. Trump não sucumbiu diante que algo que para qualquer político tradicional ou menos experiente seria um desastre imagético. Ele emergiu como um perseguido político, aproveitou para intensificar doações para a sua campanha e cresceu nas pesquisas das primárias republicanas. Porém, por mais que o ex-presidente mantenha sua força e a simpatia de seus tradicionais eleitores fiéis, permanece com dificuldades para sair de sua bolha, ou seja, para convencer votantes moderados e independentes, os fiéis da balança em eleições presidenciais apertadas”, explica Lucas de Souza Martins, analista e mestre em história dos Estados Unidos pela Universidade Estadual da Geórgia.
Em conversa com a coluna, diretamente da Filadélfia, onde mora, Lucas também explicou que acusações formais ou indiciamentos contra Trump não afetaram os seus números e o seu favoritismo na primária republicana. Além de ser o candidato mais conhecido entre eleitores e de já ter sido presidente dos Estados Unidos, ele segue monopolizando a atenção da mídia e de seus opositores. “Mike Pence e Ron DeSantis, por exemplo, não mudaram suas posições sobre como enxergam a acusação de fraude contra Trump em Nova York. Para eles, trata-se de perseguição política. Em uma situação em que apenas um candidato dita os principais temas de discussão da campanha, outros republicanos precisam ser extraordinariamente criativos para se sobressaírem. Pelo menos até aqui, não conseguiram. Além disso, por mais que certos republicanos tradicionais não gostem de admitir, Trump é o candidato do partido com mais condições de tirar os democratas da Casa Branca”, completou.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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