Emergenciais? Seria mais justo chamar de ‘desesperadas’ as medidas econômicas do governo argentino

Taxa básica de juros vai a inacreditáveis 97% para tentar conter a inflação, que superou os 100% ao ano em abril

  • Por Marcelo Favalli
  • 16/05/2023 11h00 - Atualizado em 16/05/2023 11h57
  • BlueSky
Esteban Collazo/Presidência Argentina/AFP Presidente da Argentina, Alberto Fernandez, olhando antes de se dirigir à nação da Residência Presidencial de Olivos, em Olivos, Buenos Aires Com a popularidade em baixa, o presidente Alberto Fernández desistiu da reeleição na Argentina

O governo argentino vem pedindo socorro financeiro há semanas. O presidente Alberto Fernández veio ao Brasil conversar com o colega Lula. Esperava sair com um cheque em branco. Ganhou a sugestão de procurar o banco dos Brics. Pelo menos, ouviu a promessa do Palácio do Planalto de analisar a possibilidade de um financiamento indireto ao setor industrial argentino, para manter o fluxo comercial entre os dois países. Afinal, a Argentina é o maior parceiro comercial brasileiro na América do Sul. Fernández deixou Brasília sem nada concreto. Procurar a ex-presidente Dilma Rousseff, que hoje preside o banco dos Brics, nem sequer é uma saída. A instituição foi criada para atender às necessidades financeiras do bloco. É verdade que a organização prevê investir em países em desenvolvimento, mas a carta orgânica que dita as diretrizes do banco proíbe um empréstimo financeiro para quitação de dívidas, como quer a Argentina. Para que isso acontecesse, seria preciso que todo grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) assinasse uma exceção. Convenhamos que a fama de calote da Casa Rosada não favorece a tal consenso.

Falando em dívida externa, a Argentina deve, hoje, mais a credores estrangeiros do que o total de suas reservas internacionais. Simplificando o discurso: a Argentina faliu. Para piorar, o governo federal tem cada vez menos opções de socorro. O país está sem credibilidade para ampliar o crédito. As últimas cartadas foram dadas pelo presidente anterior, Maurício Macri, que conseguiu um aporte de US$ 56,3 bilhões em 2018, com o FMI, dos quais US$ 5,7 bilhões foram pagos na ocasião. A Argentina ainda precisa quitar outros US$ 40 bilhões com o FMI. Quanto mais o país arrola a dívida, mais os juros crescem e valor das parcelas aumenta. Falando apenas de credores internacionais, a Argentina tem de pagar em torno de US$ 277 bilhões, o que equivale a mais da metade do PIB do país. Por mais que muitos investidores sejam ávidos a risco, na esperança de receber dividendos generosos, é muito pouco provável que governos estrangeiros, instituições financeiras internacionais e até mesmo pessoas físicas apliquem dinheiro suficiente para tirar a economia do vermelho.

“A Argentina entrou no círculo vicioso quase irreversível.” A afirmação é do professor Luiz Alberto Machado, economista especializado no cenário internacional e assessor do “Espaço Democrático”. A crise econômica argentina — que atravessou o século XX — envolve aspectos políticos-culturais. “Os sindicatos na Argentina são muito fortes. Repare que quase todo dia tem uma manifestação sindical no centro de Buenos Aires”, completa o professor ao explicar que, para conter a recessão, é necessário enxugar a máquina pública e cortar gastos estatais. “A politização dos sindicatos não permite mudanças econômicas bruscas, principalmente aqueles que afetam o funcionalismo”, esclarece Machado.

No meio do atoleiro está a população argentina. Em abril, a inflação superou os 108% ao ano. Ou seja, a média de preços aos consumidor mais que dobrou em 12 meses. E quanto mais baixa a renda das famílias, mais severos serão os efeitos dos cortes de produtos de necessidade. A curto prazo existe um remédio muito amargo para a economia argentina. Seria como “cortar na própria carne”. Uma desvalorização ainda maior da moeda nacional favoreceria o aumento das exportações e traria dólares que o país tanto precisa para pagar os devedores internacionais. Hoje, as reservas nacionais em moeda americana estão na casa dos US$ 33,7 bilhões. Menos que os US$ 40 bilhões que o governo deve só para o Fundo Monetário Internacional. Só que incentivar a entrada de dólares, por meio do enfraquecimento do peso, geraria ainda mais inflação. Opção pouco provável de ser aplicada principalmente porque as eleições presidenciais da Argentina acontecem em outubro. A popularidade do atual governo está tão baixa que Alberto Fernández declarou que não vai tentar a reeleição. Além da dúvida de quem irá representar a situação na disputa pelo Executivo, está a incerteza do eleitor argentino de como estará a economia do país no dia da votação.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.