É preferível idiotas com discursos de ódio do que um Estado odioso controlando discursos

História nos mostra que é infinitamente mais fácil desacreditar ideias abjetas do que derrubar ditaduras

  • Por Pedro Henrique Alves
  • 10/06/2023 11h08
Freepik Imagem conceito de ditadura com bola metálica Circulou pelas redes sociais nesta semana um artigo no qual autor defendeu controle estatal do discurso de ódio

Todo debate em torno da liberdade de expressão no Brasil carrega duas características extremamente perceptíveis: por um lado, o despreparo e a ingenuidade argumentativa dos defensores radicais de tal valor e, por outro, a tolice monumental daqueles que imaginam poder defender a regulação da liberdade de opinião pelo Estado e a liberdade individual ao mesmo tempo. Mas, nesta semana, um texto que circulou pelas redes, publicado num dos maiores jornais do país, me chamou especialmente a atenção. Nele, um acadêmico afirmava que é possível manter a liberdade de expressão ao mesmo tempo que se retira da sociedade ‒ via controle estatal ‒ o discurso de ódio.

Como disse acima, geralmente encontramos nesse campo de debate sobre a liberdade de expressão o tolo e o ingênuo, mas poucas vezes encontramos uma opinião tão ingenuamente tola como essa. Como há meses venho dizendo nesta coluna, o principal problema com relação ao debate sobre a liberdade de expressão não é a sua importância fulcral, nem mesmo a realidade do dito “discurso de ódio” e seus efeitos negativos na sociedade, mas, sim, sobre quem define o que é esse discurso odioso e como será regulado tudo isso.

O que devemos ter em mente é apenas que o Estado e seus departamentos são antes um poder político gerido por pessoas com preferências ideológicas, tendências e sanha de poder. São eles que, ao final do dia, moldam o funcionamento dessa máquina, apesar da narrativa fofa que engajam pela manhã. O Estado com poder de gerir e censurar é um Leviatã que inevitavelmente vai ferir a livre opinião dos indivíduos segundo as tendências que seus engenheiros e operadores de momento definirem. O problema do debate em torno do discurso de ódio não é aceitar que ele exista nem reconhecer seus malefícios, mas entender que o remédio do controle externo para minorar seus efeitos, no fim, acaba por criar um problema infinitamente pior, isto é: uma sociedade emudecida, gerida por um Estado com poderes de moderador da liberdade individual que jamais retrocede em seus avanços autoritários.

O século XX foi um desfile de exemplos para aqueles que ainda duvidam do que o Estado pode fazer quando retira do indivíduo a sua liberdade de opinião e, consequentemente, de interferência na vida pública e política do país. Dar ao Estado o poder de gerenciar o que as pessoas podem dizer é o receituário das grandes sociedades autoritárias, e isso não é opinião, é fato histórico verificável. Desta forma, realimentar o velho argumento dos ditadores de outrora, de que o Estado iria regular o discurso público para o bem do povo, de que há certas narrativas tão nocivas que seria melhor que elas não tivessem sequer o direito de nascer, é de uma ingenuidade e de uma tolice tão acentuada que chega a me dar náuseas ter que redizer tudo isso. E não adianta afirmar que estamos falando de coisas distintas, que não é possível usar o fascismo ou o comunismo de outrora para abarcar a situação pela qual hoje passamos; dizer isso só aprofundaria ainda mais a ingenuidade tola daqueles que acreditam que o Estado irá se manter neutro e impoluto enquanto julga que tipo de narrativa é ou não odiosa segundo seus parâmetros ideológicos.

Depois de mais de 300 anos de debate sobre liberdade de expressão e sua influência na sociedade democrática, a única certeza realmente racional comprovada é que quaisquer que sejam os modelos de regulação do discurso público, eles cerceiam diretamente a liberdade e autonomia do indivíduo e ferem de morte a democracia. O Estado sadio é aquele que se mantém longe da produção de ideias e discurso dos indivíduos. E, após um breve e sincero olhar para o século passado, iremos nos convencer de que é infinitamente preferível que haja hordas de idiotas com discursos odiosos do que povos castrados e amedrontados por uma máquina política autoritária infreável. 

Assim sendo, se for preciso defender a liberdade dos idiotas de proferirem seus discursos de ódio, ante a possibilidade do Estado de definir previamente o que os indivíduos podem dizer e pensar, então que os idiotas fiquem livres para dizer suas idiotices. Acreditem, caros leitores, a história nos mostra que é infinitamente mais fácil desacreditar os idiotas e seus discursos abjetos do que derrubar Estados ditatoriais com suas sanhas de controle da opinião pública. Parece-me muito mais sensato, ao final, temer o Estado e seu aparato de poder do que grupelhos extremistas com narrativas canalhas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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