Bolsonaro deixou brechas para explicar atos de corrupção no governo?
Presidente não enfia a mão em cumbuca e sempre encerra seus discursos com uma ressalva: ‘Não posso dar conta de mais de 20 mil servidores comissionados e ministérios com 300 mil funcionários’
Certa noite, recebi uma aula inesquecível. Eu tinha apenas 23 anos de idade e conversava com um dos comentaristas políticos mais renomados daquela época, Ferreira Netto. Ele conseguiu tanta projeção com seus programas nas emissoras de rádio e televisão que, em 1989, como candidato ao Senado, obteve mais de 3,8 milhões de votos. Ficou à frente de nomes poderosos como Franco Montoro e Guilherme Afif Domingos. Perdeu para o petista Eduardo Suplicy. Durante a nossa conversa eu disse que nenhum político prestava. Ele me interrompeu e ponderou que eu deveria tomar cuidado com a maneira de usar as palavras: “Garoto, você pode dizer a mesma coisa sem se comprometer. Em vez de afirmar apenas que nenhum político presta, acrescente no final um salvo exceções, ou diga que a maioria, ou muitos deles não prestam. Assim, se alguém quiser processá-lo por se sentir agredido, basta ressalvar que ele faz parte dessas exceções”.
Talvez ele tenha exagerado. Nunca mais na vida, entretanto, me esqueci dessa lição. E, de lá para cá, passei a dar essa sugestão também aos meus alunos políticos e empresários. Todas as vezes que tiverem de emitir uma opinião polêmica, que tomem o cuidado de deixar uma saída para futuras possibilidades de defesa. Não podem dar a cara para bater.
Bolsonaro esbraveja, ataca, xinga, vocifera, mas, como ele mesmo diz, jamais sai das quatro linhas da Constituição. É a sua garantia para não ser apeado do poder por deslizes de conduta. E alardeia esse procedimento a quem desejar ouvir. A todo momento, desafia a apontarem um único exemplo em que tenha afrontado a Constituição. O presidente bate no peito, desde o primeiro dia do seu governo, se vangloriando de não ter enfrentado nenhum caso de corrupção. Como macaco velho, não enfia a mão em cumbuca e todas as vezes encerra com uma ressalva: “Não significa que não possa vir a ocorrer. Eu não posso dar conta de mais de 20 mil servidores comissionados, ministérios com 300 mil funcionários. Se existir algum problema, vamos investigar imediatamente”.
Quase ninguém prestava atenção nessas palavras adicionais. O que marcava era a essência do discurso: “Não temos um caso de corrupção no governo”. Como político de mais de 30 anos de experiência, e tendo visto toda sorte de roubalheira grassando ao seu redor, sabia que dia mais cedo, dia mais tarde, alguém poderia aprontar uma falcatrua e abrir o flanco para a oposição partir para cima com a faca nos dentes. Não houve ainda nenhum caso concreto de corrupção em seu governo. A acusação mais grave até aqui foi contra o ex-ministro Milton Ribeiro, que ainda está sob investigação. A bem da verdade, aberta pelo próprio ex-ministro. Ainda assim, as ressalvas do presidente servem de escudo para blindá-lo de possíveis ataques oposicionistas. Em sua defesa poderá repetir o que sempre disse: “Não que não possa surgir algum caso. E se acontecer, vamos investigar a fundo”. Na pior das hipóteses, ninguém será capaz de acusá-lo de ser contraditório.
A situação do ex-presidente da Caixa, Pedro Guimarães, acusado de assédio sexual e moral, não tem a ver com corrupção. Surgiu posteriormente uma denúncia de que sua casa foi reformada com recursos da própria Caixa, o que precisa ser investigado. Para o chefe do Executivo se resguardar dos respingos políticos que afetariam sua campanha, as mesmas palavras de ressalva cairiam como uma luva também nesse episódio. Essas portas abertas para eventuais defesas nunca podem ser tomadas como garantia total de proteção, mas serão os primeiros passos para neutralizar parte das avalanches que surgem nesses momentos.
Portanto, tomar cuidado com afirmações generalizadas, prevendo o que precisaria ser dito nas situações em que “aquelas certezas” comecem a desmoronar, é conhecimento que se soma a cada momento de nossa existência. O melhor da história é que não precisamos cometer esses erros para aprender. Basta observar o comportamento dos mais experientes e entender o motivo de suas atitudes. Como disse Marquês de Maricá: “Os erros de uns são lições para outros; estes acertam porque aqueles erraram”. Siga pelo Instagram: @polito.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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