Bolsonaro escorregou entre a autenticidade e os ‘arrependimentos verbais’

Se, por um lado, esse comportamento “autêntico” de Bolsonaro arregimentou uma multidão de seguidores e admiradores, por outro, minou boa parte da sua credibilidade

  • Por Reinaldo Polito
  • 20/06/2024 06h00 - Atualizado em 20/06/2024 12h20
GABRIEL SILVA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Jair Bolsonaro Se Bolsonaro pudesse se candidatar nas próximas eleições, provavelmente seria vitorioso; para os seus eleitores, sua liderança ainda é incontestável

Os bolsonaristas se apoiam em um argumento aparentemente irrefutável – o ex-presidente é autêntico em seus pronunciamentos. Não mede palavras para dizer o que pensa. Ele se expressa sem se preocupar com essas baboseiras do politicamente correto. Se, por um lado, esse comportamento “autêntico” de Bolsonaro arregimentou uma multidão de seguidores e admiradores, por outro, minou boa parte da sua credibilidade. O então presidente falava com tanta veemência que seria impossível duvidar de suas intenções.

“Arrependimentos”

Esbravejava, ameaçava, prometia para depois, ato contínuo, deixar o dito pelo não dito. Foram inúmeros exemplos que demonstraram ser os seus discursos vazios, desprovidos de fundamento. Vamos analisar os momentos mais emblemáticos desses “arrependimentos” verbais que desgastaram a imagem de Bolsonaro. Alguns de seus eleitores descontentes, a minoria é verdade, dizem que continuariam votando nele para impedir que a esquerda permaneça no poder, mas gostariam que outro o substituísse.

Alguns exemplos

No dia 14 de abril de 2021, Bolsonaro disse que o Brasil estava no limite. Afirmou que aguardava o povo dar uma sinalização. Era tudo o que seus aliados queriam ouvir. Se ele estava esperando um aval para agir, esse apoio seria dado. E as palavras de ordem foram entoadas de forma contundente. No dia 1º de maio, a população tomou conta de praças e avenidas nas principais cidades do país. Havia uma só voz em todos os cantos: “eu autorizo, presidente”. Era a resposta à chamada feita há pouco mais de 15 dias. Estavam embutidas nesses gritos a reivindicação pelo “voto impresso” e a resistência à “ditadura do STF”.

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Um dilema

Essas pautas não poderiam ser levadas a cabo, pois deixavam implícitas iniciativas golpistas. Bolsonaro sabia dessas consequências e precisava encontrar meios de agir como se não tivesse provocado aquelas manifestações. Vivia um dilema. Se fosse em frente com seus despropósitos, entraria em um beco sem volta. As instituições atingidas não perdoariam sua ousadia e não lhe dariam trégua. Seria o fim. Até com o risco de prisão. Se fingisse que nada havia acontecido, decepcionaria parte do seu eleitorado, como efetivamente decepcionou. Preferiu a segunda opção.

Arregou

Em linguagem popular, ele arregou. Pediu ajuda a Michel Temer, que havia indicado Alexandre de Moraes para o Supremo, e com sua ajuda redigiu uma nota dizendo que respeitava a Constituição. Para provar que estava certo, e estava mesmo, exceto pelo fato de ter contrariado seus eleitores, mencionou os indicadores econômicos que se seguiram à nota: bolsa subiu e dólar caiu. Ainda em 2021, voltou a falar o que não devia. Xingou Alexandre de Moraes de “canalha” e Luís Roberto Barroso de “filho da puta”. Para os seguidores de Bolsonaro, esse era o aviso de que não toleraria mais as ingerências do Supremo na vida do Executivo. Em entrevista ao Jornal Nacional, da Globo, disse que não havia xingado.

Mandados contra bolsonaristas

Voltando um pouco no tempo, e analisando um de seus primeiros discursos inconsequentes, talvez aquele que tenha sido o princípio da construção do seu descrédito para boa parte da população, chegamos ao fatídico 28 de maio de 2020. A Polícia Federal havia cumprido mandados de busca e apreensão em endereços de bolsonaristas. Bolsonaro se indignou com o STF porque a ação fora determinada pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito que investigava os ataques contra a Corte. Buscavam provas de que haviam financiado a divulgação de informações falsas. Em frente ao Alvorada esbravejou com todas as letras.

Desabafo

“Acabou, porra!” Me desculpem o desabafo. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações. Ontem foi “o último dia”. Pois é, não foi “o último dia” e o “acabou, porra!” se tornou mais uma de suas promessas desatinadas. Durante os quatro anos em que esteve no poder, os fatos contra os quais havia se rebelado continuaram se repetindo sem que ele pudesse fazer nada para combatê-los. Esses discursos ameaçadores jamais poderiam ser concretizados.

Deve ter aprendido

Os pronunciamentos impensados serviram apenas para enfraquecer seu prestígio e comprometer sua imagem. Não que esse comportamento despropositado possa prejudicar seus anseios políticos. Se Bolsonaro pudesse se candidatar nas próximas eleições, provavelmente seria vitorioso. Para os seus eleitores, sua liderança ainda é incontestável. Deve ter aprendido, todavia, que precisa evitar promessas e ameaças que não possam ser cumpridas. Provavelmente nunca mais repetirá os erros que cometeu. Dificilmente voltará a subir em um palanque para xingar um ministro e dizer que “acabou, porra!”. Nada como os erros para nos ensinar. Siga pelo Instagram: @polito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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