Cada povo tem realmente o político que merece?
Decisão em quem votar se submete mais a um sentimento difuso do que propriamente baseada na conduta e nos feitos do candidato; de cada 100, 80 não se lembram quem escolheram para senador e deputado federal
Os números são assustadores. De cada 100 eleitores, 80 não se lembram em quem votaram para senador e deputado federal. Se a população é tomada por essa amnésia quase generalizada, como poderá cobrar coerência entre a promessa dos candidatos e as suas realizações? Ainda que o eleitor saiba em quem votou, se perguntarmos a ele quais foram os projetos apresentados pelo seu candidato e a forma como o congressista se comportou na análise das propostas de iniciativa de seus pares, com certeza, as respostas se aproximarão de zero. Quer um dado ainda mais estarrecedor? Nas eleições à prefeitura, com candidatos que vivem na própria cidade onde são realizados os pleitos, e que, por isso mesmo, deveriam ser conhecidos e lembrados sem esforço, dos cerca de 113 milhões de eleitores, mais de 13 milhões se esqueceram de quem mereceu seu voto no primeiro turno em 2020.
Portanto, a decisão em quem votar se submete mais a um sentimento difuso do que propriamente baseada na conduta e nos feitos do político. Por causa do trabalho que desenvolvo com os candidatos para concorrerem às eleições, costumo perguntar às pessoas por que vão votar nesse ou naquele político. Nesses 45 anos como professor, não me lembro de ter encontrado alguém que dissesse ter decidido seu voto com base na quantidade ou qualidade dos projetos daquele que escolheu para representá-lo. Levando em conta que acompanhar o trabalho dos congressistas não seja mesmo muito simples, vamos caminhar pelas eleições presidenciais. Nesse espectro, o número de candidatos é bem mais reduzido, e teoricamente seria mais fácil avaliá-los com certa profundidade.
Experimente pedir a um eleitor de Bolsonaro, de Lula, ou de Ciro três motivos para que o seu candidato fosse eleito. Provavelmente ouvirá algumas das seguintes respostas: “Ah, o Lula foi bom para os pobres”. “O Bolsonaro não roubou e não deixou roubar”. “O Ciro é uma chance de mudança.” Aproveite também para perguntar por que ele não votaria nos outros candidatos. É quase certo que as explicações sejam mais ou menos estas: “O Lula é ladrão”. “O Bolsonaro não sabe falar e é genocida”. “O Ciro é estourado e misógino”. Se o candidato terá condições de pôr o país nos trilhos e promover seu desenvolvimento econômico e social, são temas que praticamente passarão ao largo. Aí acusamos os políticos de populistas. E são mesmo. Para conquistar o voto, como disse a filósofa Dilma, fazem o diabo. A tática é até elementar. Começam dizendo o que a população necessita para crescer, prosperar, se realizar e ser mais feliz. A partir do momento em que conscientizam as pessoas de que elas precisariam desse bem-estar, com chavões e clichês, mostram qual deverá ser o caminho para essa realização. E não é pelo fato de o discurso ser superficial, raso e desprovido de análise técnica que não terá chance de sucesso. Ao contrário, em muitas circunstâncias, essa falta de profundidade chega a ser até uma vantagem na conquista dos votos.
Os pensadores de esquerda foram aqueles que mais mergulharam nesse estudo. Adorno e Horkheimer, dois destacados nomes da Escola de Frankfurt, puxando a sardinha para a brasa deles, evidentemente, afirmam que as pessoas têm sua capacidade crítica anestesiada pela forma como o capitalismo trabalha na reprodução e distribuição da cultura. Na obra “O iluminismo como mistificação das massas”, esses pensadores dizem que a indústria cultural molda uma atitude passiva, inibindo inciativas críticas ao fornecer às pessoas somente o que pensam desejar receber, impedindo que se motivem a buscar novas experiências, além daquelas que já conhecem e experimentaram.
Os eleitores se submetem, assim, diante daqueles que dominam a arte da manipulação das vontades. Com estratégias planejadas, abafam na população o espírito crítico e a capacidade de discernimento. Só com o tempo é que as pessoas caem em si e compreendem que, na verdade, sem perceberem, chegaram a ser induzidas. Talvez não desejassem tanto o que os candidatos disseram ser importante na vida delas. Com base nessas reflexões, ao discutirmos política com amigos e familiares, pensemos se valerá a pena defender ou atacar este ou aquele político. Ainda que o candidato mereça a nossa defesa, é preciso considerar a possibilidade de que, com o tempo, talvez iremos nos decepcionar. Não precisa acreditar em mim. Veja você mesmo o que tem acontecido na nossa história política recente. Siga no instagram @polito.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.