Pazuello deu show de estratégia na CPI da Covid-19

Ex-ministro não apenas não ficou em silêncio, como contextualizou cada questão levantada pelos senadores, especialmente as do relator, Renan Calheiros

  • Por Reinaldo Polito
  • 27/05/2021 09h00 - Atualizado em 27/05/2021 09h47
Leopoldo Silva/Agência Senado - 19/05/2021 Ex-ministro Eduardo Pazuello fala em CPI General da ativa depôs à comissão nos dias 19 e 20 de maio

Já fui enganado por muitas pessoas na política. E não era mais para me equivocar com essa turma. Rapidamente, veja a minha ligação com essa ciência. Treino políticos para fazer comícios e participar de debates há 45 anos. Ministro aulas no curso de pós-graduação em Marketing Político na ECA-USP há 20 anos. Sou autor do curso on-line “Oratória para vencer eleições”. Essa longa estrada já deveria ter me deixado esperto e liso como quiabo. Que nada! Vira e mexe me surpreendo com certas artimanhas de suas excelências. Sei que até fui ingênuo, mas cheguei a acreditar, por exemplo, que FHC e Lula faziam mesmo oposição um ao outro. Demorou para me dar conta de que era tudo jogo de cena, já que se esbofeteavam em público e se acariciavam nos bastidores.

Agora, do nada, aparece das sombras um tal de Eduardo Pazuello. Até há pouco mais de um ano a maioria de nós questionaria: afinal, o que é um Pazuello? Ele furou a fila do pão, ou já estava lá e nem percebemos? Pois é, exceto o que ocorreu no movimento de 1964, os militares ficaram na deles e pouco se soube a respeito de suas atividades. O general Pazuello estava nesse pacote. Num determinado momento começamos a ter notícias de um militar que era craque em logística. Que fez um trabalho excepcional ao coordenar as tropas do Exército Brasileiro nos Jogos Olímpicos de 2016. Que foi admirável na Operação Acolhida em Roraima, recepcionando nossos irmãos venezuelanos que fugiam para o Brasil para escapar da fome e da opressão impostas pelo regime de Nicolás Maduro.

Pouco depois, como era preciso de alguém com essa experiência para fazer a distribuição rápida das vacinas, esse general foi alocado no Ministério da Saúde na função de secretário-executivo, auxiliando o então ministro Nelson Teich. Aí já começou a ficar sob os holofotes, talvez lamparinas, para não ser muito exagerado. Não demorou, entretanto, para que substituísse o ministro. Nesse cargo foi catapultado para a ribalta. Pazuello estava à frente do mais importante ministério do país naquele momento, já que vivíamos uma fase aguda da crise pandêmica. E nessa função começou a fazer pronunciamentos e a dar entrevistas. Fiquei de olho para ver como ele se sairia. Para não ser muito crítico, com boa vontade, merecia um xis na coluna de razoável. Houve um momento em que cheguei a pensar que, devido à sua comunicação, ele não teria vida longa no cargo.

Fiquei de orelha em pé com a sua participação no programa da Jovem Pan “Direto ao ponto”, comandado por Augusto Nunes, em 1º de fevereiro deste ano. Em certo momento da entrevista, o jornalista deixou a bola quicando na área para o general só empurrar para as redes. Pois não é que ele bateu de canela, e começou a responder como se estivesse diante de um inquiridor hostil! Augusto Nunes perguntou: “Quais as consequências negativas para o governo com essa decisão do STF (tirar do governo federal o poder de ações na pandemia)?”. Ainda que ele não desejasse arrumar encrenca com o Supremo, poderia ter aproveitado para fazer boa defesa do governo nessa questão. Mas, com a sutileza de um paquiderme na loja de porcelana, respondeu: “Amigo, não vejo aí nada a ver uma coisa com a outra, desculpe”. Em seguida tentou explicar como se estivesse na defensiva. Tanto que o entrevistador teve de interferir para esclarecer que as palavras de Pazuello não divergiam das suas. Pensei: ‘Xi, assim ele não vai longe’.

Recentemente soubemos que o general daria depoimento na CPI da Covid-19. Na hora, me veio à cabeça que ele seria massacrado. Em seguida o ex-ministro pediu adiamento, alegando que tivera contato com pessoas que haviam contraído a doença. No meio do caminho, antes de falar diante dos senadores, entrou com pedido de habeas corpus para ter o direito de permanecer calado. Poucos tinham dúvida de que ele tentava escapulir. Pesquisei. O adjetivo mais simpático foi o de fujão. Ao participar da CPI veio a grande surpresa – Pazuello deu um show de preparo e de habilidade para se comunicar. Não apenas não ficou em silêncio, como contextualizou cada questão levantada pelos senadores, especialmente as do relator, Renan Calheiros, para que não ficasse uma dúvida sequer em suas palavras. Basta dizer que Renan, na tentativa clara de identificar algo que comprometesse Bolsonaro, passou a exigir respostas mais curtas, até de sim ou não. No final, o general estava inteiro, seguro e com ar vitorioso. Os senadores é que pareciam arrasados por não conseguirem encurralar o depoente.

Sim, Pazuello me enganou. Com toda a minha experiência, jamais imaginei que ele pudesse ter desempenho tão eficiente como o demonstrado diante dos senadores. Talvez tenha até se fingido de tonto e inseguro de propósito para que os senadores se sentissem senhores de si e tirassem a faca dos dentes. Eu me lembrei do que o apresentador Ratinho disse em um programa da Marília Gabriela: ‘Gabi, Deus foi tão bom comigo que me fez nascer com jeito de tonto. Quando o cara pensa que está me levando no bico, já está assinando o cheque’. Ao que tudo indica, além de me enganar direitinho, também, sem que os senadores percebessem, pegou o cartão de crédito deles e perguntou com ar zombeteiro: ‘Excelência, no crédito ou no débito’? Siga no instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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