Como os números podem condenar ou absolver Bolsonaro na CPI da Covid-19
Estatísticas terão papel fundamental nos debates da comissão e poderão dizer se o presidente é culpado ou inocente das acusações que lhe são feitas
Era começo dos anos 1970. Eu estava ansioso para conhecer o conteúdo de cada matéria da faculdade de Ciências Econômicas. Naquela noite, teria contato pela primeira vez com o professor de estatística. A expectativa era enorme. Ele entrou na sala, colocou uns três ou quatro livros sobre a mesa, foi para frente da classe e disse: “Cuidado com as pesquisas e estatísticas. Muitas delas são falsas e mentirosas”. Após proferir aquelas palavras, ele deu a primeira aula relatando vários estudos com números falsos, enganosos, distorcidos da realidade. Que aula! Que mestre! Com esse artifício conseguiu prender a atenção de todos os alunos e conquistá-los até o final do curso. Nunca mais me esqueci. Sempre que vejo números fico com um pé atrás. Quando me deparo com tabelas e gráficos estatísticos, costumo me perguntar: o que poderia estar por trás dessas informações? Será que não foram usados para beneficiar alguém?
Fiquei com as orelhas ainda mais em pé quando li o que disse Roberto Campos, um dos mais brilhantes economistas da nossa história: “Estatística é como biquíni – mostra tudo, mas esconde o essencial”. Brilhante! Estamos no início da CPI da Covid-19. Os números terão papel fundamental nos debates. Eles poderão dizer se Jair Bolsonaro é culpado ou inocente das acusações que lhe são feitas. Ora, se as estatísticas são as mesmas, como apoiadores e críticos do presidente poderão usar os dados tanto para defender como para acusar? Observe que, antes de chegarmos a uma conclusão, temos de ponderar vários fatores que começarão a ser debatidos. Os opositores do governo irão se valer da CPI para apear Bolsonaro do cargo. Se não for possível, pelo menos tentarão enfraquecê-lo para diminuir suas chances em 2022. Por outro lado, os apoiadores usarão de todos os meios para protegê-lo e resguardá-lo.
A comissão iniciou seus trabalhos há poucos dias e os debates já começaram a fervilhar. De um lado, os adversários procuram colocar na roda aqueles que poderão prejudicar Bolsonaro. Nesse pacote entram seus críticos, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, assim como os aliados, a exemplo do também ex-ministro Eduardo Pazuello. Quanto mais fustigarem os apoiadores do governo, maiores serão as chances de que as acusações respinguem no presidente. Na outra mão, os que estão nas trincheiras amigas já tentam desqualificar o relator, o presidente e muitos daqueles que estão à frente das investigações. A cada dia aparece uma nova ficha corrida dessas personagens, mostrando os malfeitos dos quais foram protagonistas. Ora, se possuem ficha tão suja, não têm reputação ilibada para estar ali.
Soou o gongo. Os adversários tomaram suas posições no ringue. Vai começar o embate. Os acusadores procuram disfarçar suas intenções. Dizem que o objetivo é apenas o de verificar o que poderia e ainda pode ser feito para melhorar a qualidade de saúde da população. Me engana que eu gosto. Os defensores, com jeito de quem não está nem aí, afirmam categoricamente que não há nada a esconder. Me engana que eu gosto. A maneira como os dados são apresentados poderá ser favorável ou não para cada uma das partes. Para tornar as informações mais amenas, o levantamento estatístico prioriza os números absolutos, quando se mostrarem convenientes à sua causa. Se, de outra forma, os números absolutos não forem favoráveis, os resultados mostrarão apenas os percentuais. Observe que não há mentira, apenas formas diferentes de apresentar a verdade.
Por exemplo, veja a diferença no peso das informações se fossem apresentadas de maneira distinta: apenas 0,2% da população foi a óbito na pandemia, ou mais de 400 mil pessoas já perderam a vida. E assim com todos os dados. Haveria distorções se mostrassem que a quantidade de vacinas compradas foi pequena percentualmente levando em conta a nossa população, já que a oferta delas é em número absoluto. Na guerra das estatísticas vale tudo: desde a escolha conveniente da base de dados, passando pela supervalorização de informações e generalização apressada repetida ad nauseam, até certo tipo de linguagem que acaba por transformar o bom e positivo em mau e negativo, e vice-versa. Como a população está mais ou menos bem-informada, dificilmente será ludibriada por essas manipulações numéricas. E aqueles que tentarem usar os dados para ludibriar a compreensão das pessoas poderão amargar prejuízos eleitorais inimagináveis. Ainda bem que temos eleições. De uma forma ou de outra, elas continuam sendo o grande fantasma dos políticos. Siga no instagram @polito.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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