CPI da Covid-19 não é apenas circo ou conversa de gente chata

Além de algumas cenas divertidas, como os bate-bocas inesperados, dá para aprendermos com os discursos e formas de se comunicar dos senadores

  • Por Reinaldo Polito
  • 08/07/2021 09h00
  • BlueSky
Jefferson Rudy/Agência Senado O senador Marcos Rogério, líder do DEM na Casa, durante sessão parlamentar Nas primeiras sessões passei a observar a maneira como se expressavam; um dos que mais chamou a atenção foi o senador Marcos Rogério

E aí, você também já se cansou da CPI da Covid-19? São horas e horas de conversa que, de maneira geral, não levam a lugar nenhum. E alguns ainda falam em prorrogar o martírio por mais 90 dias! Haja paciência! Nem tudo, entretanto, é sofrimento, já que de vez em quando nos divertimos com algumas cenas protagonizadas pelos senadores e por alguns depoentes. Por mais sérias que tenham de ser as sessões, vez ou outra surge um bate-boca inesperado, e o circo pega fogo. Nesses casos, é diversão garantida. Devemos considerar também que até dá para aprender com os senadores. Sabendo quais são os erros e acertos que apresentam, podemos adaptar à nossa comunicação os aspectos que estejam de acordo com o nosso estilo e as nossas características.

Já nas primeiras sessões passei a observar a maneira como se expressavam. Um dos que mais chamou a atenção foi o senador Marcos Rogério (DEM-RO). Não que se comunicasse mal. Longe disso. Merecia uma nota 6,5 a 7. Seu desempenho era melhor quando lia os discursos. Para falar de improviso dava umas rateadas. O conteúdo de suas falas foi coerente em todos os pronunciamentos. As teses que defendeu nas primeiras sessões se mantiveram ao longo de toda a CPI. Mesmo quando havia desvios de percurso nas discussões, sua linha de atuação permanecia com a mesma correção. Se compararmos suas manifestações atuais com o que disse no princípio, vamos constatar que o posicionamento não mudou. O problema maior residia nos aspectos estéticos de seus discursos e entrevistas. Fazia pausas em momentos inadequados, e muito prolongadas. E nesses instantes não conseguia ficar sempre em silêncio, pois demonstrava claramente que estava procurando algum vocábulo para identificar o pensamento. Com bastante frequência se valia do “ããã”. Esse vício é indicação de que o pensamento já está pronto, mas as palavras ainda não apareceram. Ou seja, que há falta de vocabulário.

Em diversas situações Marcos Rogério repetiu termos, truncou frases e não completou o pensamento. Na posição em que se encontra, essa falha pode ser grave, já que deixa por conta dos ouvintes, e, nesse caso, dos senadores de oposição, a interpretação do que não disse. Há nesse contexto o risco de equívoco de entendimento da mensagem. O fato de ele ter determinada intenção, mas, por falha de comunicação, os interlocutores compreenderem de forma diversa. Apresentou também em diferentes momentos falta de timming. Os opositores haviam concluído o que estavam dizendo, e ele continuava calado sem interferir, o que possibilitava a retomada da palavra pelos interlocutores. Não era preciso interromper o pensamento daquele com quem debatia, seria suficiente entrar no momento adequado. Transcorridas as primeiras sessões, foi impressionante a evolução da oratória do senador. Parou de repetir as palavras; completou o pensamento, sem pausas desnecessárias e com ritmo mais consistente. Hoje é possível transcrever seus pronunciamentos sem que seja preciso fazer nenhum tipo de edição. Conjuga bem os verbos, faz corretamente as concordâncias e só usa pausa ao concluir o raciocínio.

Substituiu o “ããã” por uma figura de linguagem de elevado valor estético, a anáfora. Esse recurso consiste na repetição de termos no início das frases. Por exemplo, quando ele diz: “o caminho da ilegalidade, o caminho da arbitrariedade, o caminho do abuso de autoridade, o caminho do constrangimento ilegal”. Observe que, enquanto ele se vale da repetição, além de valorizar o estilo da fala, ganha tempo para organizar a sequência do raciocínio. Não perde mais a oportunidade de interferir na hora certa. Age sem demonstrar afobação, muito menos agressividade. Esse desenvolvimento da comunicação de Marcos Rogério ocorreu especialmente pelo aperfeiçoamento natural do automatismo da fala. À medida que foi repetindo várias vezes a mesma mensagem, os vocábulos começaram a participar de seu reflexo condicionado. Bastava pronunciar a primeira palavra para que a frase toda fosse construída automaticamente. Sua voz tem qualidade. Fala com boa sonoridade e timbre agradável. O volume é apropriado para demonstrar a importância do tema e seu envolvimento com a mensagem. Não se expressa com tom monocórdio, pois alterna frequentemente o volume da voz e a velocidade da fala. O senador aprimorou a comunicação. Saiu da nota 6,5 para um 9,5. Muito bom! Siga no Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.