Eleitores de Lula e Bolsonaro só ouvem o que lhes interessa
Certa vez resolvi analisar no mesmo texto as virtudes e defeitos de um e outro; nem preciso dizer que fui censurado pelos dois lados
Imagine um debate entre Lula e Bolsonaro. Suponha também que na plateia estejam seguidores dos dois políticos. No final do confronto, será fácil observar que os bolsonaristas assimilaram principalmente o que beneficiou seu candidato e prejudicou Lula. Da mesma forma, os lulistas teriam o mesmo comportamento, olhando com olhos benevolentes o líder petista e rejeitando as opiniões e propostas do adversário. Esse comportamento dos eleitores não é novo, nem privilégio dos brasileiros. John Kennedy e Richard Nixon protagonizaram um dos debates mais importantes da história política mundial. No dia 26 de setembro de 1960, estiveram frente a frente em uma empolgante disputa pela televisão. Afirmam os estudiosos que o desempenho do candidato democrata foi decisivo para a sua conquista naquelas eleições à presidência dos Estados Unidos.
Possíveis motivos
Até hoje são apresentados motivos para a vitória de Kennedy. Uma das teorias mais reprisadas é a de que o democrata estava sereno e o tempo todo atento às palavras do adversário. Nixon não estava confortável. Em diversos momentos, demonstrou um olhar perdido, desconcentrado, como se estivesse desligado do debate. Embora esses fatores possam ter tido alguma influência, há, entretanto, uma explicação científica mais preponderante para o resultado. Hans Sebald desenvolveu um estudo com 152 estudantes da Universidade Estadual de Ohio.
Memórias e distorções seletivas
Antes de iniciar o debate, eles responderam a diversas questões. Revelaram o que pensavam sobre os candidatos. Após o confronto voltaram a responder às mesmas perguntas. A pesquisa constatou que os julgamentos não sofreram alterações. Ficou provado que os pesquisados estavam com suas opiniões cristalizadas pela percepção de memórias seletivas e por distorções seletivas. Os admiradores de Kennedy registraram o que beneficiava seu candidato e era prejudicial a Nixon. Não foi diferente com aqueles que eram favoráveis ao republicano. Para esses alunos, não importou o desempenho de um ou outro candidato, pois mantiveram o mesmo pensamento inicial.
A pesquisa na prática
Tanto lá como cá. Talvez não exista ninguém no país que tenha analisado mais a comunicação de Lula e Bolsonaro que eu. Já publiquei mais de 200 textos sobre a oratória desses dois líderes políticos. Não seria impossível antecipar, com pequena margem de erro, o que eles diriam em seus discursos.
Despertam mais interesse
Aproveitei todos os acertos e deslizes da comunicação deles para mostrar as técnicas adequadas que utilizaram ou deixaram de lançar mão. O objetivo nunca foi o de elogiar ou criticar o político, mas sim o de mostrar aos leitores as atitudes que poderiam ser seguidas ou rechaçadas. É fácil deduzir que ao citar uma dessas duas personagens o interesse pelo artigo ganhava nova dimensão. Tanto os seguidores quanto os críticos de um ou de outro teriam interesse em saber qual havia sido o desempenho deles diante do público. Por exemplo, este texto mesmo. Se eu falasse apenas sobre a “teoria da recepção”, o número de interessados talvez fosse mais reduzido. Mostrando, todavia, na prática partes de sua utilização, ganha mais apelo.
Defeitos e virtudes
Certa vez resolvi analisar no mesmo texto as virtudes e defeitos de Lula e Bolsonaro. Entre os diversos defeitos do ex-presidente, mencionei as mensagens repetitivas e o linguajar às vezes vulgar, com brincadeiras que não estavam à altura da liturgia do cargo. Entre os deslizes de Lula, ressaltei as escorregadelas nas falas de improviso e a movimentação desordenada diante do público. Ao analisar os aspectos positivos na oratória de Lula, ressaltei sua presença de espírito, eloquência e capacidade de adaptar o discurso de acordo com a circunstância. Já Bolsonaro é admirado pela autenticidade, bom-humor e habilidade política.
Nem preciso dizer que fui censurado pelos dois lados. Em uma mesma matéria chegaram a me chamar de “bolsominion” e de “mortadela”. É o fenômeno da “audição seletiva” apresentado na pesquisa de Sebald: as pessoas ouvem ou leem o que interessa à sua causa, e se afastam do que contraria sua forma de pensar.
Não vale a pena
Mesmo agora, ainda que os pontos positivos e negativos de cada um dos políticos tenham sido expostos, haverá muitos leitores discordando da análise. Temos de nos conscientizar de que, independentemente, do desempenho oratório de um político, seja ele Bolsonaro, Lula ou qualquer outro, a opinião a respeito da sua capacidade de comunicação estará mais baseada na convicção ideológica que propriamente no desempenho do orador. Por isso, discutir política com amigos e familiares, além de não convencer o outro de suas opiniões, poderá também provocar desentendimentos, ressentimentos e, em casos mais graves, o rompimento das relações. No fim, por nada. Siga pelo Instagram: @polito.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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