Essa não era uma boa hora para falar de futebol
Ao chegar em Porto Alegre, Lula disse que estava torcendo pelo Grêmio e pelo Internacional; com a população vivendo um dos piores momentos da sua história, esse não deveria ser o comentário de um presidente
Um dos aspectos mais admiráveis na comunicação de Lula sempre foi sua habilidade para traduzir em linguagem simples os mais intrincados problemas políticos, sociais e econômicos do país. Enquanto os “especialistas” se expressavam com linguagem rebuscada, repleta de tecnês, incompreensível para a maioria da população brasileira, lá vinha Lula lançando mão de metáforas, fazendo comparações com futebol e churrasco.
Um discurso simples que deu certo
As pessoas tinham a sensação de que se tratava de uma conversa entre iguais. Não é à toa que foi endeusado nas primeiras gestões, obtendo marcas recordes de popularidade. Tanto assim que conseguiu emplacar no Palácio do Planalto uma presidente inábil, que por incompetência precisou ser impichada.
Ao retornar à presidência pela terceira vez, ainda surfando na lembrança positiva da sua imensa aceitação popular, Lula encontrou um cenário distinto daquele com o qual havia convivido nas primeiras vezes em que governou o país.
O mundo mudou
As relações internacionais são outras. A economia já não se acomoda mais nos voos de cruzeiro, com as comodities trazendo recursos que pareciam inesgotáveis. O jogo político se tornou ainda mais perverso e refratário. Ou seja, o presidente não consegue governar o país com a mesma tranquilidade que um dia vivenciou.
E para piorar, as redes sociais não dão trégua. Basta um pequeno deslize para que a notícia seja espalhada imediatamente, como se fosse um rastilho de pólvora. Por isso, para contrapor, Lula até tentou seguir os passos de Bolsonaro e se aventurar em lives semanais disfarçadas de entrevistas. Não deu certo. A audiência foi tão pífia que tiveram de encerrar aquele tipo de programação.
Palavras otimistas
Se em determinada época, para animar os brasileiros a continuar produzindo e consumindo, e assim manter a economia respirando, bastava o presidente dizer que a crise experimentada pelo país não passava de uma marolinha, hoje esse tipo de discurso otimista não encontra eco. Por mais animada que seja a retórica presidencial, incluindo aí o presidente e seus ministros, a desconfiança continua crescendo.
Por exemplo, em discurso para tratar de parcerias estratégicas com o Japão, Lula relacionou inúmeros aspectos positivos do país: “Queremos nos transformar em um país altamente desenvolvido. Queremos estar entre as seis maiores economias do mundo. Nós temos estabilidade jurídica. Nós temos estabilidade fiscal. Nós temos estabilidade econômica. Nós temos estabilidade social. E a gente tem uma coisa sagrada que é previsibilidade. Aqui, a gente não faz nada na calada da noite. Todo mundo sabe o que a gente vai fazer.”
Quem poderia discordar de um chefe de Estado que pinta com cores reluzentes a situação do seu país?! Esse deveria mesmo ser o seu papel. Só que a realidade se mostra divergente dessas palavras entusiasmadas. A prática não bate com a teoria. Esse descompasso é ruim porque rompe a credibilidade. E quando falta confiança as pessoas se tornam resistentes em investir, produzir e consumir. É um freio emocional que inibe as boas iniciativas.
Na prática a teoria é outra
Na terça, dia 7, o Instituto Paraná divulgou pesquisa sobre a percepção do brasileiro quanto à situação do país. Os números vão no caminho inverso da animação presidencial. 55% sentem que os preços dos alimentos subiram. Uma péssima notícia se compararmos com o mesmo levantamento feito em abril, apontando piora de 7 pontos percentuais. É muito!
Outro dado alarmante é que os entrevistados acham que a sua situação financeira irá piorar. O número é assustador, já que subiu de 24,5% para 28,5%. Por melhor que seja o discurso, não há argumento que possa enfrentar essa realidade.
Na hora errada
E para piorar ainda mais, ao tentar usar um de seus recursos retóricos do passado, Lula foi inadequado. Ao chegar em Porto Alegre, por iniciativa própria, sem ser ao menos questionado, disse que estava torcendo pelo Grêmio e pelo Internacional. Provavelmente foi uma ironia, já que ninguém pode torcer ao mesmo tempo por times adversários. Só que naquela circunstância, com a população vivendo um dos piores momentos da sua história, esse não deveria ser o comentário de um presidente.
Lula é inteligente e teria condições de se reciclar. Enquanto isso não acontecer, com pronunciamentos infelizes como esse, não conseguirá inspirar confiança nos brasileiros. E hoje, confiança é o bem mais precioso de que necessitamos. Siga pelo Instagram: @polito
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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