Há 26 anos, bispo chutou a imagem da santa e me deu uma lição

Quando um assunto pode deixar os ânimos exaltados, o melhor a fazer é deixá-lo de quarentena até que tudo se acalme

  • Por Reinaldo Polito
  • 14/10/2021 09h00
Reprodução/YouTube Imagem de um bispo, em frente a um fundo azul, vestido com trajes sociais, acertando o pé em uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida O bipso Sérgio Von Helder discursa contra a imagem de Nossa Senhora durante o programa "Palavra Viva", em 1995

Lá se vão 26 anos. Exatamente no dia 12 de outubro de 1995, ao apresentar o programa “Palavra Viva”, o então bispo Sérgio Von Helder, da Igreja Universal, chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Essa atitude provocou uma revolta generalizada. Até quem não era católico, e não acredita em santos, como o caso dos evangélicos, se indignaram com o episódio desrespeitoso. Dois anos depois, em decisão inédita, o bispo foi condenado por discriminação religiosa. Logo após o ocorrido, com receio de retaliações, ele saiu do país. Nessa época aprendi uma importante lição, a segunda, na verdade, que me marcou muito. 

Em um caso anterior, eu já havia sido alertado para deixar de quarentena os acontecimentos polêmicos, que movimentam a opinião pública. Eu ministrava uma palestra para um grupo de livreiros. Era uma plateia de mais de 700 pessoas. Ao falar sobre a importância da emoção, costumava citar o exemplo do último debate entre Lula e Collor, quando disputavam a presidência da República. Mostrava que, como eles estavam muito próximos nas pesquisas, qualquer fato poderia ser decisivo. Entre os motivos relevantes estava a emoção com que Collor enfrentou Lula. Assim que mencionei o nome de Collor, um dos ouvintes, em tom colérico, começou a me agredir com xingamentos. Repetia insistentemente que não admitia que se pronunciasse em sua presença o nome do vencedor das eleições. Só pude reiniciar a apresentação depois que conseguiram retirá-lo da sala. 

Mais tarde, fiquei sabendo a causa daquele destempero. Essa pessoa havia vendido um imóvel com a intenção de adquirir outro maior para a família. Quando o dinheiro da venda estava depositado em sua conta, houve o sequestro dos valores efetuado pelo governo. Ou seja, ele ficou sem o imóvel e sem o dinheiro. O meu erro foi ter insistido naquele exemplo. Como muitas pessoas estavam revoltadas, o mais sensato seria deixar aquela história de quarentena até que tudo se acalmasse.

Parece que o ensinamento não fora suficiente. Eu precisava ajoelhar no milho mais uma vez. Durante muitos anos, trabalhou na minha escola de oratória o professor Jairo. Ele costumava fazer algumas interpretações muito bem-humoradas para ilustrar as técnicas que ensinávamos sobre como fazer e agradecer homenagens. Em algumas aulas ele se vestia de mafioso. Em outras, de padre. Todos os alunos gostavam e aplaudiam bastante o seu desempenho. Para o papel de padre, ele vestia uma batina muito bonita, que havia sido comprada na Itália. Até os padres que eram nossos alunos ficavam encantados com a vestimenta e não se cansavam de elogiar o professor. 

Nós estávamos ministrando mais um treinamento em Brasília, para os Correios. Como sempre, lá foi o professor para a sua performance todo paramentado de padre. Quando ele encerrou sua participação, os alunos permaneceram em silêncio. Ninguém aplaudiu. Não se ouviu nenhum comentário. Meio assustado com a reação da classe, assim que ele se retirou para trocar de roupa, passou por mim e cochichou: o que foi que mordeu essa turma? À noite, durante o jantar, descobrimos o que ocorrera. Naquela semana, o bispo havia chutado a imagem da santa e estavam todos muito enraivecidos. E para piorar a situação, naquele grupo de alunos estava um que havia sido padre. Aquela brincadeira, naquele momento, mostrou-se inoportuna, pareceu desrespeitosa a eles. Se tivéssemos refletido um pouco melhor, teríamos colocado o exemplo do padre de quarentena, até que os ânimos se acalmassem.

Bem, depois de duas experiências tão contundentes, o aprendizado foi definitivo, e hoje ensino essa lição para os nossos alunos com a experiência de quem cometeu o erro mais de uma vez: quando um acontecimento estiver mexendo muito com a cabeça das pessoas, deixe a história descansar um pouco antes de usá-la nas palestras e apresentações. Nos dias atuais, por exemplo, como as opiniões ideológicas estão muito polarizadas, qualquer citação a um ou outro político, por inofensiva que possa parecer, poderá ser um estopim para discussões incendiárias. O risco de que alguém possa se sentir ofendido é grande, e, dependendo da reação dos ouvintes, o resultado talvez seja muito negativo. Siga pelo Instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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