Habilidoso, Bolsonaro ataca Lula e Barroso usando figura de linguagem

Ninguém chega ao posto de presidente, e mantém a popularidade que conquistou, se não souber se comunicar com os eleitores

  • Por Reinaldo Polito
  • 29/07/2021 14h20
Isac Nóbrega/PR Bolsonaro falando em evento Quando fala com seus apoiadores, presidente demonstra muita experiência e senso de oportunidade

Perdi a conta de quantas pessoas já me procuraram dizendo que Jair Bolsonaro deveria fazer um curso de oratória. Afinal, alegam, ele não sabe falar, só abre a boca para dizer besteiras. Até os mais próximos dele acabam por reverberar essas opiniões. O problema está no fato de que pinçam alguns pronunciamentos fora da curva, em que o chefe do Executivo ultrapassa a linha amarela, com palavrões inconvenientes, ou com brincadeiras que beiram a vulgaridade. Aí é que pega. Esses excessos poderiam ser corrigidos. O próprio ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que já alertou o presidente sobre essa maneira indevida de se comunicar. Comentou que Bolsonaro até concordou, e que chega a se arrepender de algumas impropriedades vernáculas, mas, quando cai em si, já foi. Para o ministro, porém, é preferível que ele seja honesto, autêntico e transparente a ficar medindo palavras, com atitudes hipócritas. Quem tenta defendê-lo entra numa saia justa. Eu me lembro do porta-voz General Rêgo Barros. Com toda a sua habilidade e jogo de cintura, preferia às vezes permanecer em silêncio a explicar o inexplicável.

Tomar esses momentos esparsos de fala equivocada para generalizar seu comportamento, todavia, é um grande equívoco. Se observarmos a comunicação dos ex-presidentes, não escapa um. Nem comento a respeito de Lula e Dilma Rousseff porque suas peripécias verbais são bastante conhecidas. Vou me ater a dois que receberam muitos elogios pela maneira correta como se comunicavam. Não cometiam erros gramaticais e se expressavam com raciocínio lógico e concatenado. Estou me referindo a Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Em 1999, Fernando Henrique meteu os pés pelas mãos e se referiu aos bolivianos como sendo peruanos. Já Temer, em julho de 2017, quando estava em Oslo, capital da Noruega, deu uma tremenda escorregada e chamou Harald V, rei da Noruega, de rei da Suécia. E para não deixar a vergonha pela metade, no mesmo pronunciamento, em vez de dizer “parlamento norueguês”, disse “parlamento brasileiro”. Tudo bem, esses deslizes podem acontecer com qualquer um, ainda mais em situações de muita pressão, como nesses encontros internacionais. Só fico imaginando, entretanto, o que diriam se essas escorregadelas tivessem ocorrido com Bolsonaro. Tosco seria o adjetivo mais simpático que lhe atribuiriam. 

Uma análise mais cuidadosa de sua atuação, porém, nos indica que a intuição do presidente para se comunicar não é nada primária. Quando fala com seus apoiadores no cercadinho, demonstra muita experiência e senso de oportunidade. Quase sempre as pessoas tentam fazer várias perguntas ao mesmo tempo. Ele fica impassível, como se ouvisse com intenção de responder a todos. Assim que as pessoas fazem silêncio, ou, em alguns casos, ele as interrompe, escolhe a questão mais conveniente e discorre apenas a respeito daquele tema. Na última semana, Bolsonaro fez críticas ao ministro Luís Roberto Barroso e ao ex-presidente Lula valendo-se de uma figura de linguagem muito eficiente, a preterição. Essa figura de pensamento permite que o orador finja não querer tratar de determinado assunto, enquanto fala sobre ele.

A respeito de Barroso ele disse: “Não quero adiantar, não quero acusá-lo de nada, mas por que ele é contra (o voto auditável)?” Já no ataque que desferiu contra Lula, ele assim se expressou: “Se o outro lado tá tão bem nas pesquisas, por que não sai na rua para tomar um… não vou falar cachaça – vai tomar um café com leite na padaria?” Observe que nas duas oportunidades enquanto dizia que não ia falar, ele falou, contra argumentando e defendendo-se com ironia. Ao se referir a Barroso, enfatizou que não queria acusá-lo de nada, ao mesmo tempo em que o acusava. E no caso de Lula que não iria falar para que tomasse cachaça, e já falando. O uso adequado dessa estratégia exige muita habilidade do orador. Um rápido exercício de avaliação sobre a comunicação de Bolsonaro, o aspecto mais criticado na sua atuação no governo, pode nos indicar quais são seus defeitos e também suas qualidades

O problema está nos palavrões desnecessários de que se vale até com certa frequência, e as brincadeiras inconvenientes, especialmente com conotações sexuais. Como na última semana, ao ser entrevistado, perguntou ao jornalista se ele tomava ivermectina. Ao receber o sim como resposta, emendou: “Cuidado, porque ivermectina mata bicha, hein!”. Não precisava. As qualidades residem principalmente no cuidado político de seus pronunciamentos. Note que ele não deixa nenhuma fresta que pudesse comprometê-lo. Por exemplo, ao afirmar que não existe corrupção no seu governo, invariavelmente faz a ressalva: “E, se um dia acontecer algum caso, a pessoa será demitida e vai pagar pelo erro”. Como ele não tem ação direta sobre as atitudes de cada um dos seus subordinados, com essa abertura consegue, antecipadamente, preparar sua defesa. Portanto, se quiser, continue criticando a comunicação de Bolsonaro. Ele não se emenda e merece todas as censuras. Por outro lado, não deixe de analisar seus méritos. Ninguém chega ao posto a que ele chegou, e mantém a popularidade que conquistou, se não souber se comunicar com os eleitores. Siga no Instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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