Moro usa seus problemas de comunicação para conquistar os eleitores

‘O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita’, avisou o ex-ministro durante cerimônia de filiação; melhora é perceptível, mas ele agora terá um desafio ainda maior pela frente

  • Por Reinaldo Polito
  • 11/11/2021 08h00
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - 10/11/2021 À frente de um púlpito, Sergio Moro discursa em frente a um gigante painel com sua cara e a mensagem Sergio Moro deve disputar as eleições de 2022 pelo Podemos

Novidade na política. Sergio Moro entra no ringue e já começa exercitar o jogo de pernas, a esquiva e os ganchos de direita e de esquerda. Por enquanto, só lutou com sparing. Daqui para a frente, terá de enfrentar lutadores acostumados a assimilar os golpes e até a bater da cintura para baixo. É outra realidade. Treino é treino, e jogo é jogo. No discurso que proferiu ao se filiar ao Podemos, Moro usou a estratégia de falar de seus defeitos de oratória para valorizar as qualidades que deveriam ser, de fato, enaltecidas na atividade política. Disse: “O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam e atendam a voz do povo brasileiro”. 

Algumas pessoas, de forma equivocada, julgam que aprimorar a oratória é partir para o artificialismo. Imaginam que, para conquistar boa qualidade de comunicação, é preciso abandonar as características pessoais e se submeter a um conjunto de regras consideradas ideais para o palanque. Assim que vazou a notícia de que ele estava fazendo treinamento para melhorar a comunicação, surgiram já as primeiras críticas, como se o candidato estivesse sendo embrulhado para agir de acordo com a figura que os eleitores precisariam ver. Nada mais errôneo. Quanto mais espontânea e natural for a forma de se expressar, mais credibilidade terá quem fala em público. Tenho levantado essa bandeira ao longo dos últimos 46 anos como professor de oratória. Tanto que, ao receber um aluno, reservo um bom tempo para conversar com ele de maneira descontraída.

Enquanto falo da minha origem interiorana e das dificuldades que enfrentei para me adaptar à vida da cidade grande, peço que ele conte também um pouco da sua história. Nesse momento, a pessoa se mostra mais verdadeira, como é no dia a dia. Consigo assim fazer uma “radiografia” do seu estilo e identifico quais são os ajustes que precisam ser feitos.  A partir daí, o aluno se desenvolve, encontra a excelência na comunicação, sem nunca perder a sua forma de ser. Sai das aulas consciente de que a melhor de todas as técnicas que deverá considerar é a naturalidade. Eu me lembro do maior orador da história do direito do Brasil, Valdir Troncoso Peres. Nunca vi alguém mais eloquente que ele. Os adversários tentavam sensibilizar os jurados dizendo para não se envolverem com a extraordinária capacidade oratória do advogado, pois ele conseguia convencer os ouvintes apenas pela forma como se apresentava. Tentavam, assim, desqualificar o oponente por suas qualidades.

Estudo a comunicação de Sergio Moro há muitos anos. Ele se expressava com aquela fala mole, sem expressividade e com aqueles sons irritantes durante as pausas. Como juiz, essa incompetência para se apresentar não lhe era prejudicial. Quando, entretanto, assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo Bolsonaro, precisou mudar o jeito de ser. Nos embates com os políticos e nas entrevistas que concedia, passou a falar com mais energia, imprimindo ritmo mais consistente às suas apresentações. Em pouco tempo, revolucionou suas exposições em público. Continuava com a voz esganiçada, com as pausas longas, com os ruídos inconvenientes como o ééé ééé quando deveria ficar em silêncio, com vários problemas de dicção — como dizer “conje” no lugar de “cônjuge” e “coupção” no lugar de “corrupção”—, mas a melhora foi perceptível. Esse período em que atuou como ministro foi um excelente treinamento para o aperfeiçoamento da comunicação. 

Agora terá um desafio ainda maior pela frente. Participará de uma campanha eleitoral em que, geralmente, o adversário bate da medalhinha para cima. Precisará ter capacidade de resiliência, controle emocional e raciocínio rápido para atacar e defender no momento apropriado. Do outro lado, estarão dois oponentes que participaram de campanhas a vida toda. São mestres na arte onde ele é apenas um aprendiz. Sua história de vida demonstrou que é inteligente e sabe como avaliar o comportamento das pessoas. Se conseguir desenvolver a sua própria técnica de comunicação, respeitando suas características autênticas para se expressar em público, apenas acertando os defeitos que podem ser corrigidos, sem mexer com seu verdadeiro estilo, terá muito mais chances de ser bem-sucedido. Vamos acompanhar. Nos próximos meses, terei condições de analisar junto com você como será o desempenho dele. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.