Você tem o vício de dizer ‘né?’ no final das frases ou ‘ãããã’ nas pausas? Saiba como resolver esse problema

Há quem recorra a esses tipos de ‘ruídos’ mais de 20 vezes em apenas dois minutos; ouvir a própria conversa, falar com segurança e usar o silêncio ao seu favor são algumas das principais dicas

  • Por Reinaldo Polito
  • 04/11/2021 10h00 - Atualizado em 04/11/2021 11h15
Divulgação/Ministério das Relações Exteriores Sentado, usando roupa social, Ernesto Araújo concede entrevista à EBC na época em que era ministro Em algumas circunstâncias, o “ãããã” do ex-ministro Ernesto Araújo chega a ser até mais longo que as próprias frases

Entre as personalidades, há inúmeros exemplos de vícios que pertencem à mesma família do “né?”. Entre os mais conhecidos estão o “sabe?” do Lula, o “talkey?” do Bolsonaro e o “entende?” do Pelé. Pelé e Bolsonaro já fizeram de seus vícios uma espécie de marca registrada em sua forma de comunicar e, de certa maneira, acabaram por capitalizar com eles. No caso do uso do “ãããã”, um dos exemplos mais conhecidos é o de Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores. Em algumas circunstâncias, o “ãããã” dele chega a ser até mais longo que as próprias frases. Depois dos pedidos de ajuda para vencer o medo de falar em público, a pergunta que me fazem com mais frequência é a de como eliminar o vício de dizer “né?” no final das frases e “ãããã” durante as pausas. Realmente, esses vícios chegam a ser irritantes. Em alguns casos, são tão frequentes que fica até difícil acompanhar o raciocínio daquele que está falando. Quando a pessoa descobre que foi atacada pelo vício, o que ocorre quase sempre ouvindo as próprias gravações, se sente impotente e até inconformada por se valer de palavras que não gostaria de usar. Se esse for o seu caso, ou de pessoas com as quais convive, e desejar pôr fim a esse “martírio”, aqui vão algumas dicas que poderão ajudá-lo.

Vamos começar com o “né?”. Há pessoas que recorrem a essa expressão adverbial, uma contração de “não é?”, até mais de 20 vezes em apenas dois minutos de fala. Como é possível prestar atenção em alguém que se expressa assim?! É preciso saber quais são as causas de seu aparecimento para, então, resolver cada uma delas. Primeiro: a falta de consciência. Quase sempre as pessoas não têm consciência de que usam o “né?”. Em nossos cursos de oratória, gravamos as apresentações dos alunos para que eles possam depois assistir e avaliar seu desempenho. Muitos se surpreendem com a quantidade de “nés” que utilizam. Após essa identificação, se sentem desconfortáveis e começam o processo de eliminação do vício. Para saber se você fala com muitos “nés”, grave algumas de suas conversas. Poderá se surpreender ao ouvir.

Segundo: a insegurança. Quando a pessoa está insegura costuma encerrar as frases com a entonação de quem está perguntando, mesmo tendo a intenção de afirmar. Essa é uma questão muito importante, pois, só o fato de mudar o registro de pergunta para afirmação, nos casos em que desejar afirmar, evidentemente, já elimina cerca de 80% das incidências. Observe se não é o seu caso. Se estiver fazendo pergunta no final, quando deveria afirmar, pare de perguntar e passe a fazer afirmações. Terceiro: a pontuação. Não são poucas as pessoas que encerram a frase como se estivessem fazendo uso de uma vírgula, e não de um ponto final. Como não teriam mais nada a dizer, já que a frase está concluída, usam o “né?” para terminar. Nesse caso, a solução é a mesma: usar entonação de ponto final ao concluir, e não de continuidade. Quarta: a falta de sequência do raciocínio. O “né?” é usado também como um artifício. Quando a pessoa não sabe o que dizer na sequência da fala, se vale do “né?” como se estivesse perguntando algo para os ouvintes, sendo que, na verdade, só está ganhando tempo para descobrir que informação transmitirá a seguir. A solução é aprender a ficar em silêncio enquanto descobre o que irá dizer. Portanto, tendo consciência, falando com segurança, usando entonação de encerramento e ficando em silêncio enquanto procura as ideias, usará uns três ou quatro “nés” nas conversas ou apresentações, o que até faz parte da naturalidade.

Com o “ãããã”, o processo é semelhante. Começa com a tomada de consciência. A diferença é que, no caso do “né?”, a pessoa ganha tempo para saber o que vai dizer. Já o “ãããã” é uma espécie de aviso de que já sabe o que vai dizer, só que as palavras ainda não surgiram para identificar o pensamento. É como se dissesse: eu sei o que quero dizer “ãããã”. Depois de tomar consciência do vício, precisa aprender a ficar em silêncio até que a palavra apareça. Também aqui, se usar uns três ou quatro “ããããs” em uma fala normal, fará parte da naturalidade. Lembrando que o silêncio, às vezes, é até mais expressivo que as palavras. Como disse Debussy: a música é o silêncio entre as notas. Com a comunicação verbal ocorre processo semelhante. Ah, o uso do “né?” que discutimos aqui é o que se torna repetitivo e vicioso, quase sempre de forma involuntária e inconsciente. Temos de considerar que não se caracteriza necessariamente sempre como um problema na comunicação, pois o “né?” faz parte da função fática, uma das seis funções da linguagem estabelecidas pelo linguista russo Roman Jakobson. Essa função tem como finalidade verificar o canal de comunicação entre o emissor e o receptor. Serve, principalmente, para interromper ou prolongar a comunicação. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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