O dilema de Ciro Gomes para não patinar nas pesquisas
O pedetista é firme, eloquente, e atende aos requisitos da boa oratória, mas não explica como planos como a redução de juros e o fim do teto de gastos poderiam ser concretizados
Ciro Gomes é disparado o melhor orador entre todos os candidatos à Presidência da República. A começar pela voz sonora, de timbre agradável, forte e muito bem projetada. Consegue discursar de maneira inflamada e eloquente por longo tempo, sem enrouquecer. Aprendeu a se recompor durante a própria apresentação. Após várias frases fortes e contundentes, promove pausas prolongadas. São momentos expressivos de silêncio. É a oportunidade que os ouvintes têm para refletir a respeito de suas propostas. Seus olhos vão buscar cada ouvinte na plateia, esteja onde estiver. Olha o suficiente para fazer a leitura da reação do público. Se perceber que sua mensagem não encontra ressonância no ambiente, tem a capacidade de mudar a rota até constatar que o objetivo está sendo atingido, com as pessoas abraçando a causa que defende.
A postura é sempre firme. Quase petulante. Com o corpo levemente inclinado para frente, dá a impressão de ser um animal preparado para atacar. Intimida por essa atitude, mas, ao mesmo tempo, conquista pela convicção com que pronuncia cada palavra. Torna-se quase impossível apartear seu discurso, ainda que em silêncio. Não precisa pensar nos gestos que realiza. Aprimorou de tal forma a expressão corporal que os movimentos saem espontaneamente. Eles acompanham de forma harmoniosa o tom do seu discurso. O equilíbrio entre a voz, a expressão corporal e a mensagem é tão consistente que ninguém observa um ou outro detalhe, mas sim o conjunto todo de sua exposição.
A estrutura do discurso atende a todos os requisitos técnicos da boa oratória, desde o exórdio, passando por todas as etapas até chegar à peroração. Cada frase parece ser elaborada para conquistar ora a emoção, ora a razão. É assim que emociona, sensibiliza e encontra o caminho livre para convencer. O início do seu discurso na convenção do PDT é uma verdadeira obra de arte:
“Minhas irmãs e meus irmãos,
Eu sou daqueles que gostam de ver o sol nascer. E de assistir à subida aos céus do aro flamejante da esperança.
Eu sou também dos que gostam de ver o sol do meio-dia acender sobre o mundo a chama da rebeldia.
Eu sou daqueles que não usam a noite para dormir, mas para sonhar e construir a aurora radiante do novo dia.
É, por isso, que trago hoje para vocês a voz da rebeldia da esperança”
Observe que as pinceladas quase poéticas das primeiras palavras não foram pronunciadas ao acaso, apenas com o objetivo de entreter e emocionar, mas, sim, como premissas que serviriam de base para a conclusão que pretendia construir: “É por isso que trago hoje para vocês a voz da rebeldia da esperança”. Ao ouvir as palavras doces das primeiras frases, os ouvintes se desguarnecem e, no final, já tendo concordado com as considerações iniciais, tenderão, naturalmente, a concordar com a mensagem conclusiva. É um processo lógico muito bem engendrado, que toca o coração e prepara o ouvinte para se curvar com a razão.
Nem tudo, todavia, são flores. Os críticos conhecem bem essas estratégias do orador. E ficam atentos para mostrar os descaminhos do experiente político. Assim que concluiu seu discurso, houve uma enxurrada de manifestações. Quase todos elogiando inicialmente sua competência oratória, mas em seguida desqualificando seu programa. Na maior parte dos casos, a avaliação foi a de que suas propostas são boas no papel, mas impraticáveis na realidade. Afirmam que ele se coloca contra o sistema, quando, na verdade, é fruto desse mesmo sistema, já que atuou como ministro dos governos que hoje ataca. Propõe a redução de juros e o fim do teto de gastos, mas não explica como esses planos poderiam ser concretizados.
Por mais competente que seja a sua oratória, para conquistar os votos de que precisa terá de refutar essas objeções feitas pelos opositores de forma bastante enfática. Há no seu caso ainda uma questão difícil de ser contornada. Ele sempre foi visto como destemperado e irascível. Na última campanha, procurou mudar o tom do discurso e passar uma imagem mais agregadora, de conciliação. Foi interessante essa tentativa, mas parece que não combinou muito com seu perfil. Esse é o dilema – se for para o embate, como se apresentou outras vezes, batendo nos adversários até de maneira agressiva, talvez fique só com aqueles que o acompanharam nas três eleições em que participou. Se mudar o tom, como ensaiou em 2018, correrá o risco de não conquistar mais eleitores, que desconfiarão dessa brusca mudança, e poderá também perder parte dos seus seguidores. Terá de encontrar uma fórmula para contornar esse desafio. Oratória e experiência para prospectar saídas a essas armadilhas ele tem. Resta saber se terá todas as respostas a essas questões que se apresentam. Mesmo com todos esses atributos, se não encontrar o caminho, talvez continue patinando com pequena aceitação popular. Ou seja, na traseira da corrida eleitoral. Siga pelo Instagram: @polito.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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