Por que algumas pessoas ainda desconfiam das urnas eletrônicas?

Tema pega fogo no Brasil, mas um ou outro possui conhecimento de programação; os demais, quase beirando os 100%, não têm a mínima ideia do funcionamento do processo

  • Por Reinaldo Polito
  • 28/07/2022 09h00
Marcelo Goncalves/Sigmapress/Estadão Conteúdo - 01/10/2016 Funcionários do TSE carregam caixa na qual se lê Defensores das urnas eletrônicas afirmam que não há nenhuma prova de sua violabilidade

Em 1910, Rui Barbosa foi derrotado nas eleições presidenciais por Hermes da Fonseca. O Águia de Haia não se conformou com o resultado. Alegava que o pleito fora manipulado. O então senador dizia para quem quisesse ouvir que havia sido uma roubalheira. Chiou, esperneou, mas não levou. Relembro esse fato para chamar a atenção de que, desde sempre, os perdedores, com ou sem razão, costumam reclamar do resultado. Até hoje boa parte da população norte-americana tem certeza de que Trump foi o vencedor nas últimas eleições.

Aqui no Brasil esse tema está pegando fogo. Nunca se falou tanto nas urnas de votação como agora. Podemos dizer que as urnas eletrônicas se tornaram o assunto mais comentado na última semana. Um tema discutido com todas as possíveis peculiaridades ideológicas. Os bolsonaristas, provavelmente, influenciados pelos pronunciamentos do chefe do Executivo, na quase totalidade, se declaram contra o atual sistema. Os adversários do presidente, também em sua maioria, dizem ser a favor do nosso modelo tradicional de votação. Cada um com suas razões.

Essa adesão a uma ou outra linha de opinião, lógico, nada tem a ver com os intrincados detalhes tecnológicos. Se um ou outro possui conhecimento de programação, os demais, quase beirando os 100%, não têm a mínima ideia do funcionamento do processo. Suas opiniões se sustentam na intuição e, principalmente, em suas preferências políticas. Como as pessoas não possuem familiaridade com o funcionamento das urnas, estão sempre com a pulga atrás da orelha. Sem sustentarem suas impressões em argumentos consistentes, vão para as mídias sociais alardeando e enfatizando suas certezas. Encontram eco naqueles que têm pensamento idêntico e a discussão viraliza como incêndio em galho seco.

E para piorar, há aparentes contradições. Muitos que criticam Bolsonaro de forma veemente por duvidar da eficiência das urnas, como Lula, Ciro Gomes, Simone Tebet, Roberto Requião, até pouco tempo davam depoimentos contrários, declarando com todas as letras que também não acreditavam no resultado das apurações. Esses pronunciamentos estão gravados em vídeos, que são veiculados à exaustão pela internet. Por que mudaram de ideia? Será que acompanharam tão de perto a melhoria dos equipamentos e acabaram por se convencer do contrário? Talvez sim, talvez não. As urnas são as mesmas. Poucas modificações foram implementadas. Segundo os críticos, continuamos bravamente ao lado de Butão e Bangladesh. 

E mais, afirmam que alguns países do primeiro mundo até experimentaram, como a Alemanha, por exemplo, mas desistiram rapidamente por não julgarem ser esse um bom meio de votação. Concluíram que a urna eletrônica é inconstitucional. E que países bem menos desenvolvidos que o Brasil já adotaram urnas de terceira geração, enquanto nós ainda estamos com as velhas maquinetas. Esses fatos, entretanto, não podem ser tomados como argumentos irrefutáveis para que haja desconfiança. 

Por que tanta gritaria? Afinal, há alguma prova concreta de fraude em eleições passadas? Não. Essa é uma defesa consistente do TSE. Então, onde reside a dúvida? Quem combate as urnas atuais se apoia na opinião de alguns especialistas, que se ancoram na tese de que se não é possível afirmar que a apuração foi manipulada, também não dá para dizer que não. Alegam que o método de votação é inauditável. Será que esses que se dizem especialistas têm mesmo autoridade para levantar essa dúvida? Pelo resultado de estudos recentes, parece que não. 

Considerando o fato de as urnas serem confiáveis, o que resta como base crítica para os adversários? O sistema de votação. Nesse caso, a discussão deixa de ser as urnas eletrônicas e passa a ser o sistema. É outra conversa. Supor, todavia, que o voto depositado nas urnas não será o mesmo da apuração é não acreditar no TSE. Pobres de nós se não déssemos crédito a um tribunal dessa envergadura! Inimaginável!

O TSE demonstrou boa vontade e abriu as portas para que várias instituições avaliassem a integridade das urnas, inclusive as Forças Armadas, que possuem um dos melhores corpos técnicos para avaliar, fiscalizar e auditar qualquer tipo de equipamento. São profissionais formados nas mais renomadas escolas do país e que se dedicam o tempo todo a proteger o Brasil de possíveis ataques cibernéticos. Mesmo assim, houve choque. As Forças Armadas se debruçaram por meses nessa análise e fizeram perguntas e sugestões. Alegando questão de exiguidade de prazo, o Tribunal respondeu que boa parte das recomendações só poderiam ser implementadas a partir de 2026.

Por causa da insistência desses técnicos, o ministro Luiz Edson Fachin usou um jogo de palavras que provocou revolta. Disse que quem trata de eleição são as forças desarmadas. Depois de tanto empenho, dedicação e esforço, com o orgulho que as Forças Armadas têm da sua reputação, sentiram-se desprestigiadas. Esse embate está longe de ser encerrado. A cada dia surgem novas informações. Os lados disputam como se estivessem num cabo de guerra. Tomara que cheguem a um bom termo. Não podemos, como no caso de Rui Barbosa, daqui a 100 anos ter dúvidas de que quem ganhou ou perdeu foram mesmo os vencedores ou os perdedores. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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