Por que Bolsonaro fez discurso tão pausado nas manifestações de 7 de setembro?

Tanto em Brasília quanto em São Paulo, presidente mostrou habilidade para interagir com o público e lidar com a acústica de um local aberto

  • Por Reinaldo Polito
  • 09/09/2021 09h00
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Deividi Correa/Estadão Conteúdo - 07/09/2021 Ao lado de aliados, o presidente Jair Bolsonaro discursa do alto de carro de som na Avenida Paulista, com o microfone em punho e usando uma camisa azul clara O presidente Jair Bolsonaro discursou em um carro de som durante a manifestação de 7 de setembro do último ano na Avenida Paulista

Acordei na quarta-feira, um dia após as manifestações, com o meu WhatsApp repleto de indagações de meus alunos sobre o desempenho de Bolsonaro durante os discursos que fez em Brasília e São Paulo. Algumas perguntas foram bastante curiosas. Queriam saber, por exemplo, o motivo de ele ter falado tão devagar. Um deles chegou a levantar até a hipótese de o presidente ter usado ponto eletrônico. Esse é um tema que merece algumas explicações. Eu me lembro de um almoço do qual participei com o cantor Eduardo Araújo. Ele estava lançando o DVD de comemoração de 50 anos de carreira. Foi um encontro muito agradável e tivemos condições de conversar sobre vários aspectos relacionados à música. Contou como foi que Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, saiu lá do Nordeste e atravessou de carro todo o país apenas para conhecer dona Maria Araújo, sua mãe. Comentou que, quando Gonzagão ficou sabendo que dona Maria Araújo, expoente maior na criação de jumento pêga, era sua mãe, fez de tudo para ir até a Fazenda Aliança, no vale do Jequitinhonha, para conversar com aquela “mocinha” de 90 anos de idade. 

Um dos casos que me interessou também foi a história de seu encontro com Ray Conniff. Disse que, ao conversar com essa grande estrela internacional, que estava no Brasil para cumprir uma agenda de vários shows, discutiram a respeito de um problema recorrente nas apresentações que faziam – a péssima acústica de algumas salas. Ray Conniff revelou a ele o seu segredo para contornar esse empecilho. Para driblar a reverberação, solicitava que colocassem vários balões de gás, os mesmos usados em festas infantis, em diferentes cantos da sala. Afirmou que a borracha dos balões colados no teto amortecia o som e resultava em ótima acústica. Eduardo me confidenciou que aquela dica tão simples foi muito útil para acabar com esse problema em seus shows. Esse mesmo obstáculo surge quando alguém precisa se apresentar em ambientes abertos, especialmente se o evento não for aparelhado com tecnologia de ponta. Nesses locais, também há reverberação, e, se o orador falar rápido, poderá atropelar o som da própria voz. Como não dá para usar o recurso dos balões de gás, é preciso fazer pausas mais prolongadas entre uma frase e outra para contornar o problema. Foi o que aconteceu com Bolsonaro nos dois locais em que ele se apresentou, tanto em Brasília quanto em São Paulo.

Além desse aspecto da reverberação, houve outro também bastante significativo nesses dois eventos: as plateias participaram ativamente de seus discursos. Durante toda a apresentação, o presidente tocava em temas que correspondiam às expectativas do público. Em cada um desses momentos, que foram muitos, os ouvintes reagiam com gritos de “fora Alexandre, fora Alexandre”, “eu autorizo, eu autorizo” e “liberdade, liberdade”. Bolsonaro foi muito habilidoso para aproveitar essas circunstâncias. Se ele continuasse falando enquanto os manifestantes gritavam, cortaria aquele instante de forte emoção. Se, ao contrário, deixasse terminar completamente os gritos que vinham da multidão, também perderia o ritmo de envolvimento com as pessoas. Aí valeu a sua experiência de longos anos falando em público. Quando o ruído começava a diminuir, ele entrava com a sequência do discurso, mantendo essa interação com a plateia o tempo todo.

Portanto, a fala pausada do chefe do Executivo, longe de ser um problema apresentado em seus discursos, foi um bom recurso, pois conseguiu ser ouvido e, ao mesmo tempo, estabeleceu excelente conexão com aqueles que estavam à sua frente. A comunicação exige que nos adaptemos às características de cada ambiente. Se o orador se apresentar sempre do mesmo jeito em todos os lugares, sem observar o contexto do local, correrá o risco de fracassar. O presidente tem tido esse cuidado. Fala alto, firme e de maneira pausada em situações como essas que enfrentou nas manifestações de terça-feira, dia 7 de setembro, e se apresenta de forma mais comedida e com ritmo mais fluente em momentos como os das lives que faz às quintas-feiras, ou nas conversas diárias que mantém com seus apoiadores lá no cercadinho, próximo do Palácio. Siga no Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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