Quando a agressão física substitui a força dos argumentos na política

Atacar o adversário para desestabilizá-lo e desqualificá-lo pode fazer parte do jogo, mas há limites que precisam ser respeitados

  • Por Reinaldo Polito
  • 19/09/2024 09h09
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Reprodução/TV Cultura José Luiz Datena dá uma cadeirada em Pablo Marçal durante debate da TV Cultura Algumas pessoas estão surpresas, perplexas e até assustadas com os entreveros dos últimos debates realizados dentro da corrida à Prefeitura de SP

O ideal em qualquer debate político seria ter os candidatos limitando-se à discussão de ideias, mantendo-se dentro das linhas do conteúdo e da mensagem elevada. Atacar o adversário para desestabilizá-lo e desqualificá-lo pode fazer parte do jogo, mas há limites que precisam ser respeitados. Terminado o embate, cada um recolhe os seus cacos e, vencendo ou perdendo o confronto, a briga termina ali.

Esse “comportamento republicano”, todavia, parece existir apenas em cenários utópicos. O meu querido professor de oratória Oswaldo Melantonio costumava citar Bernard Shaw: “Quando não tenho razão, eu grito”. E deixava escapar nas entrelinhas que o “grito” poderia fazer parte de um pacote que chegava a ultrapassar as fronteiras das palavras.

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Entreveros surpreendentes

Algumas pessoas estão surpresas, perplexas e até assustadas com os entreveros dos últimos debates realizados dentro da corrida à Prefeitura de São Paulo. Os ataques saíram do bate-boca, elevaram o tom e chegaram à agressão física. Nas décadas recentes esse comportamento não esteve presente nesses eventos. Quando muito um “cala boca!”.

Nem todos sabem, entretanto, que já houve na política brasileira muito mais que cadeiras arremessadas na cabeça do adversário. O Parlamento já foi palco de duelos com arma de fogo e morte. Foram momentos tristes da nossa história que pareciam ter ficado no passado, mas que agora ensaiam ressuscitar.

Tiroteio e morte no Parlamento

Um dos casos mais famosos ocorreu no dia 8 de junho de 1967 entre os deputados Estácio Souto Maior e Nelson Carneiro. Os dois trocaram tiros na Câmara dos Deputados devido a desavenças relacionadas à disputa pela presidência da União Interparlamentar. Nelson havia levado um tapa de Souto Maior. Pouco mais tarde houve revide, com Nelson baleando o desafeto. Este, mesmo ferido, atirou de volta. O fato curioso é que Souto Maior é pai do piloto Nelson Piquet.

Outro episódio que também ficou para a história ocorreu com o pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o senador Arnon de Mello. Neste caso, com morte. No dia 4 de dezembro de 1963, o senador Arnon não gostou de um discurso proferido por outro senador, Silvestre Péricles. Por isso, sacou a arma e disparou contra ele. Péricles se jogou no chão e a bala não o atingiu. Mas o tiro acertou o senador José Kairala, que faleceu poucas horas depois.

E tem gente que apoia

Essa selvageria, essas atitudes animalescas que pareciam ter ficado nas páginas do passado, voltam agora como um pesadelo. E o pior é que alguns políticos tentam defender a cadeirada de um candidato contra o outro como sendo uma ação natural em resposta aos xingamentos que recebeu. E não só, por questões visivelmente ideológicas, parte da imprensa adota o mesmo discurso, tentando justificar o injustificável.

Em vez de deixar os interesses políticos de lado, e criticar esse destempero do candidato, alguns jornalistas começam a dar voltas com sua argumentação até encontrar um jeito de dizer que, diante de ofensas verbais como as que um dos candidatos foi vítima, a reação de jogar a cadeira no adversário teria sido normal. Esses comentários que não se sustentam podem servir de combustível para elevar ainda mais a temperatura que já começa a sair de controle.

Saber argumentar exige estudo e persistência

Estou acostumado com os políticos. Faz cinco décadas que os treino para falar em público. Cada um deles se dedica durante horas a fio ao domínio das técnicas de argumentação. É um estudo que exige disciplina, dedicação e boa vontade. Não é simples. Não é fácil. Não é para qualquer um. Quem não for persistente fica pelo caminho.

Houve casos em que, durante os exercícios simulados, apertei tanto determinados candidatos que se revoltaram contra mim, como se eu fosse um inimigo. Após acalmá-los, explicava que, se não conseguiam manter a calma e o equilíbrio comigo, que estava ali apenas para orientá-los, como reagiriam frente a um adversário muito mais implacável?

Instintos primitivos

Na maioria dos casos, funcionava bem. A repetição permite que o impacto da crítica e da ofensa seja naturalizado, e as reações podem ser mais controladas. De maneira geral, o que é feito no ensaio pode ser repetido na situação real.

Todos diziam ter aprendido como se comportar e reagir, mas na hora do embate não foram poucos os que deixaram a serenidade de lado e se perderam emocionalmente. O sangue quente era mais forte que a vontade de se controlar.

Talvez uma boa simulação do que os candidatos encontrariam no debate pudesse torná-los combativos, mas sem que fossem levados pelos “instintos mais primitivos”, como diria Roberto Jefferson. Siga pelo Instagram: @polito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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