Será que Putin ficaria meio ‘putin’ com o Brasil se Bolsonaro cancelasse a viagem?

Esse trocadilho de mau gosto, no entanto, não tem nada a ver com o fato de o presidente da República respeitar ou não o compromisso assumido; é, na verdade, uma das incontáveis pérolas de Lula

  • Por Reinaldo Polito
  • 17/02/2022 09h00
Vyacheslav Prokofyev/EFE/EPA/Kremlim/Sputnkik Em frente a bandeiras de Brasil e Rússia, Bolsonaro e Putin posam para fotos apertando as mãos Jair Bolsonaro aperta a mão de Vladimir Putin em encontro dos dois mandatários no Kremlin

Quando você lê a indagação “será que Putin ficaria meio ‘putin’ com o Brasil?” provavelmente deve pensar que essa poderia ser a reação do presidente russo caso Bolsonaro cancelasse a viagem programada. Só que essa frase vulgar, esse trocadilho de mau gosto, não tem nada a ver com o fato de o chefe do Executivo respeitar ou não o compromisso assumido. É, na verdade, uma das incontáveis pérolas da lavra do ex-presidente Lula. Vamos relembrar os fatos para que possamos entender o contexto em que esse pronunciamento foi feito. Em março de 2007, Putin reagiu de forma indignada ao saber que frigoríficos brasileiros subornaram autoridades russas para viabilizar a exportação de carnes àquele país. Qualquer presidente se exaltaria diante de uma denúncia grave como essa. Portanto, a reação do primeiro mandatário russo pode ser vista até com naturalidade. O que não poderia, entretanto, é o presidente de um país importante como o Brasil fazer um comentário inusitado e até descabido como esse. Lula disse: “Certamente o embaixador russo recebeu a notícia. Certamente mandou para o presidente Putin. E certamente Putin ficou meio ‘putin’ com o Brasil”.

Bem, ficou o dito pelo não dito e não houve nenhuma consequência. Imagino até que, como dizem os maçons, essa descortesia tenha ficado entre colunas. O palavrório do Sr. Luiz Inácio permaneceu aqui dentro das nossas fronteiras. Quando a oposição centrou fogo na viagem de Bolsonaro à Rússia, parecia que qualquer decisão do presidente brasileiro seria irresponsável. No caso de ele manter o compromisso, como realmente manteve, estaria cometendo um erro. Pelo fato de Biden e Putin estarem digladiando por causa de um iminente conflito da Rússia com a Ucrânia, a presença do Brasil naquele país poderia prejudicar o relacionamento que mantemos com os Estados Unidos, um dos nossos mais fortes parceiros comerciais. Um dos adjetivos mais amenos foi que a viagem era inoportuna.

A situação se mostrava mesmo bastante delicada. Nas últimas semanas, o presidente russo movimentou numerosas tropas na fronteira com a Ucrânia. E para os norte-americanos esse era um claro sinal de que a Rússia invadiria as terras ucranianas. Se, por outro lado, Bolsonaro cancelasse a viagem, poderia ofender os russos, pois veriam nessa atitude um sinal de desprestígio e desconsideração. Ou seja, ele seria censurado de qualquer maneira. Alguns até não tão críticos afirmaram que ele deu azar por ter programado a visita sem saber que esses fatos estariam ocorrendo agora. Pelas últimas notícias, porém, parece que Bolsonaro acabou por ser bafejado pela sorte. Os russos voltaram a negociar com a Ucrânia, e o conflito está descartado por enquanto. 

Assim, a agenda combinada foi cumprida, sem que os Estados Unidos ficassem melindrados, e a Rússia viu na iniciativa do presidente brasileiro um gesto de solidariedade. Os discursos dos dois presidentes na manhã desta quarta-feira, declarando o fortalecimento dos laços comerciais e da amizade entre as duas nações, foi uma demonstração bastante clara do sucesso da viagem. O Brasil sempre se mostrou competente nas relações diplomáticas internacionais. Basta mencionar as conquistas do Barão do Rio Branco, que conseguiu incorporar 900 mil quilômetros de área ao nosso território sem precisar recorrer a confrontos armados. 

Por acaso, Bolsonaro também acertou em sua decisão. Foi a melhor que poderia ter tomado. Depois da escorregadela de Lula com aquela brincadeira infame, essa viagem, independentemente dos resultados comerciais, já constitui vitória para o Brasil. Ah, tenho especial interesse nessa ida de Bolsonaro à Rússia. Uma de minhas alunas, a deputada Carla Zambelli, fez a gentileza de entregar ao nosso presidente o exemplar de um dos meus livros publicados naquele país. Um em russo e outro em português. Quem sabe o chefe do Executivo ache uma boa ideia presentear Putin com o livro editado na Rússia escrito por um brasileiro. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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