Torcer pela seleção brasileira é uma das minhas grandes alegrias

No próximo jogo, vou fazer tudo igualzinho como nas partidas anteriores: sentarei na mesma poltrona, vestirei a mesma camisa e calçarei os mesmos chinelos

  • Por Reinaldo Polito
  • 08/12/2022 09h00
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Lucas Figueiredo/CBF - 24/11/2022 Seleção brasileira posa para foto Brasil tenta quebrar no Catar o jejum de 20 anos sem o título da Copa do Mundo

A minha maior diversão nos tempos de criança era jogar futebol com a molecada no campinho de terra batida, lá em Araraquara, no interior de São Paulo. Jogávamos descalços, sem camisa, vestindo apenas calções com elásticos para não cair. Todos, indistintamente, eram costurados na própria casa dos meninos. Se não era confeccionado pela mãe, a tarefa era executada pela avó. No dia 29 de junho de 1958, estávamos envolvidos com mais uma de nossas peladas. A nossa concentração era desviada vez ou outra quando alguém chegava gritando: mais um gol do Brasil. Esse foi de Vavá, esse de Pelé, esse de Zagallo. Vencemos a Suécia por 5 a 2. Na verdade, nem sabíamos bem o que significava uma Copa do Mundo. Só os nossos pais, que já viviam essas emoções desde 1950, quando fomos derrotados em pleno Maracanã pelos uruguaios.

Para nós, que tínhamos entre 7 e 12 anos, começava ali, apenas ouvindo as transmissões pelo rádio, a nossa paixão pelo escrete canarinho. Com a conquista do primeiro campeonato mundial de futebol, praticamente toda a cidade foi comemorar nas ruas. Uma festa inesquecível. Em 1962, vencemos a Checoslováquia na partida decisiva e faturamos o bicampeonato. Já alguns anos mais velhos pudemos entender melhor o valor daquela vitória. Mais uma vez acompanhamos cada jogada pelas transmissões radiofônicas. Com Pelé contundido, apareceu um substituto que compensou perfeitamente sua ausência, Amarildo, apelidado de “Possesso” por Nelson Rodrigues. No jogo contra a poderosa Espanha, o Brasil começou tomando o primeiro gol. No segundo tempo, entretanto, o jovem Amarildo marcou dois tentos, virou o jogo e nos deu a vitória. Graças a essa conquista seguimos nas etapas seguintes da competição até levantarmos pela segunda vez a taça Jules Rimet. O grande protagonista dessa consagração foi Mané Garrincha, o gênio das pernas tortas. Se em 1958, com pouca idade, já foi possível sentir a emoção das comemorações, em 1962 a alegria foi ainda maior. De certa maneira, essa foi a forma encontrada pelo nosso país para projetar uma imagem positiva no cenário mundial. Aguardamos ansiosos a volta dos jogadores para reverenciá-los. 

E assim os meus amigos de infância foram crescendo e acompanhando os campeonatos que se seguiram. Abocanhamos o tricampeonato em 1970, com uma das melhores seleções que já tivemos. Em 1994 veio o tetra e, finalmente, em 2002 o penta. Perdemos muitos títulos. Alguns, porque não merecíamos mesmo vencer. Outros, por puro azar, já que tínhamos equipe com qualidade superior à dos vencedores. A cada derrota uma grande tristeza. Talvez nenhuma tão profunda quanto a de 1982. O nosso time era tão bom que ocorreu um fato interessante. Os italianos, nossos adversários, tinham tanta certeza de que não conseguiriam vencer que até já haviam preparado as malas para retornar ao seu país. As opiniões são quase unânimes de que, apesar da derrota, essa foi a melhor seleção de todos os tempos, superior até à de 1970.

E assim, seguimos felizes nas vitórias e acabrunhados nas derrotas, mas sempre esperançosos de que, a cada edição da Copa, teremos nova oportunidade de ampliar nossos títulos. Os torcedores ficam tão envolvidos em cada jogo que afloram todas as suas superstições. Muitos assistem aos jogos sentados na mesma cadeira, vestindo a mesma roupa, repetindo tudo o que fizeram nas partidas anteriores. Imaginam que se mudarem qualquer detalhe poderão interferir no resultado da competição. E aqueles que ousam mudar um pequeno item sequer, se formos derrotados, durante muito tempo irão sempre se penitenciar, pois acham que eles secaram a pimenteira. À medida que avançamos nesta Copa, esses comportamentos vão se acentuando. Na dúvida, não arriscam: “No creo em las brujas pero que las hay las hay”. Estamos caminhando para a fase final da competição. Com a perspectiva de que poderemos mais uma vez chegar à disputa da final, nos tornamos mais ansiosos e preocupados. Será que Neymar estará em forma para arrebentar com os adversários? E Vini Malvadeza vai quebrar a espinha dos defensores com seus dribles mágicos? E Richarlison, nosso Pombo goleador, vai balançar as redes com seus gols incríveis? 

Cada torcedor elege seus jogadores prediletos. E, pelo fato de torcerem fervorosamente, se sentem meio proprietários deles, com direito, além de torcer, também de xingar e criticar, assim como fazem com as pessoas mais queridas. Eu estou aqui roendo as unhas. Vou fazer tudo igualzinho como fiz nas partidas anteriores, nas quais fomos vitoriosos. Estarei sentado na mesma poltrona, vestindo a mesma camisa e calçando os mesmos chinelos. Se fosse possível, até voltaria à minha cidade natal para bater bola com os meus amigos de infância. Se deu certo naquela época, por que não agora também? Se depender da minha torcida e dos meus cuidados com os detalhes, o hexa já está no papo. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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